O GLOBO - 21/07
Carlinhos Cachoeira disse que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase simultaneamente, um dos agentes federais que o investigaram é executado num cemitério, enquanto visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon Brando não precisam entrar em cena para o país entender que há uma gangue atentando contra o Estado brasileiro. Em qualquer lugar supostamente civilizado, os dois tiros profissionais na nuca e na têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob suspeita, imediatamente, os investigados pela Operação Monte Carlo - alvos do agente assassinado. Mas no Brasil progressista é diferente.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime. Declarou que "é leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do policial federal e a operação da qual ele fazia parte. E mais não disse. Tapajós foi enterrado no lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia, iam dizer que esses roteiristas exageram. No enterro, alguém de bom-senso poderia ter soprado ao ouvido do ministro: dizer que é leviano suspeitar dos investigados pela vítima, excelência, é uma leviandade.
Mas ninguém fez isso, e nem poderia. O ministro da Justiça não foi ao enterro. Wilton Tapajós era subordinado ao seu ministério, atuava na principal investigação da Polícia Federal e foi executado em plena capital da República, mas José Eduardo Cardozo devia estar com a agenda cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do que a agenda do ministro.) Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado pelo agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do governo popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.
Assim como o consultor Fernando Pimentel (ministro vegetativo do Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o príncipe do Enem), Cardozo é militante político de Dilma Rousseff e ministro nas horas vagas. O projeto de permanência petista no poder é a prioridade de todos eles, daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu ambicioso plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de cumpri-lo). Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que não dá voto a ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro. Para bater boca com a oposição e acusá-la de politizar a operação da PF, por exemplo, o ministro não se sente leviano.
Carlinhos Cachoeira era comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O bicheiro mandava e desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as jogadas da Delta, intermediava doações para campanhas políticas, segundo seu ex-diretor Luiz Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de Dilma Rousseff, da qual Cardozo fazia parte. O policial federal assassinado estava entre os homens que começaram a desmontar o esquema Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos. O mínimo que qualquer autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da máfia foi eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça preferiu ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja neutralidade.
Montar golpes contra o Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que compensa. Especialmente se o golpe é montado dentro do próprio Estado, com os padrinhos certos. Exemplo: às vésperas do julgamento do mensalão, um conhecido agente do valerioduto acaba de ser inocentado, candidamente, à luz do dia.
Graças a uma providencial decisão do Tribunal de Contas da União - contrariando parecer técnico anterior do próprio TCU -, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que permitiu repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve mais nada a ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que permitiram o escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT, acabam de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos Valério se sacrificou por este país).
O melhor de tudo é que uma lavagem de reputação como essa acontece tranquilamente, sem nem uma vaia da arquibancada. No mesmo embalo ético, Delúbio Soares já mandou seu advogado gritar que ele é inocente e jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi operar um pouquinho no caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo mundo faz. Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de que não vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil progressista há de confiar no seu voto.
Esses ventos indulgentes naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se enche de otimismo e fala grosso com a CPI. Se o esquema de Marcos Valério está repleto de inocentes, seria leviano deixar o bicheiro de fora dessa festa.
Carlinhos Cachoeira disse que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase simultaneamente, um dos agentes federais que o investigaram é executado num cemitério, enquanto visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon Brando não precisam entrar em cena para o país entender que há uma gangue atentando contra o Estado brasileiro. Em qualquer lugar supostamente civilizado, os dois tiros profissionais na nuca e na têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob suspeita, imediatamente, os investigados pela Operação Monte Carlo - alvos do agente assassinado. Mas no Brasil progressista é diferente.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime. Declarou que "é leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do policial federal e a operação da qual ele fazia parte. E mais não disse. Tapajós foi enterrado no lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia, iam dizer que esses roteiristas exageram. No enterro, alguém de bom-senso poderia ter soprado ao ouvido do ministro: dizer que é leviano suspeitar dos investigados pela vítima, excelência, é uma leviandade.
Mas ninguém fez isso, e nem poderia. O ministro da Justiça não foi ao enterro. Wilton Tapajós era subordinado ao seu ministério, atuava na principal investigação da Polícia Federal e foi executado em plena capital da República, mas José Eduardo Cardozo devia estar com a agenda cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do que a agenda do ministro.) Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado pelo agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do governo popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.
Assim como o consultor Fernando Pimentel (ministro vegetativo do Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o príncipe do Enem), Cardozo é militante político de Dilma Rousseff e ministro nas horas vagas. O projeto de permanência petista no poder é a prioridade de todos eles, daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu ambicioso plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de cumpri-lo). Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que não dá voto a ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro. Para bater boca com a oposição e acusá-la de politizar a operação da PF, por exemplo, o ministro não se sente leviano.
Carlinhos Cachoeira era comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O bicheiro mandava e desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as jogadas da Delta, intermediava doações para campanhas políticas, segundo seu ex-diretor Luiz Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de Dilma Rousseff, da qual Cardozo fazia parte. O policial federal assassinado estava entre os homens que começaram a desmontar o esquema Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos. O mínimo que qualquer autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da máfia foi eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça preferiu ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja neutralidade.
Montar golpes contra o Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que compensa. Especialmente se o golpe é montado dentro do próprio Estado, com os padrinhos certos. Exemplo: às vésperas do julgamento do mensalão, um conhecido agente do valerioduto acaba de ser inocentado, candidamente, à luz do dia.
Graças a uma providencial decisão do Tribunal de Contas da União - contrariando parecer técnico anterior do próprio TCU -, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que permitiu repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve mais nada a ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que permitiram o escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT, acabam de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos Valério se sacrificou por este país).
O melhor de tudo é que uma lavagem de reputação como essa acontece tranquilamente, sem nem uma vaia da arquibancada. No mesmo embalo ético, Delúbio Soares já mandou seu advogado gritar que ele é inocente e jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi operar um pouquinho no caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo mundo faz. Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de que não vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil progressista há de confiar no seu voto.
Esses ventos indulgentes naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se enche de otimismo e fala grosso com a CPI. Se o esquema de Marcos Valério está repleto de inocentes, seria leviano deixar o bicheiro de fora dessa festa.