Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 03, 2012

A fraqueza da indústria Ilan Goldfajn

Estado de S. Paulo - 03/07/2012
 
Não é coincidência que o debate - existente há décadas - sobre os problemas da indústria no Brasil se tenha intensificado recentemente. Entre o 2.º trimestre de 2010 e o 1.º trimestre de 2012, a indústria brasileira ficou praticamente estagnada (na verdade, caiu 2,3%). O período mais recente foi o pior: entre janeiro e março de 2012 completou-se o quarto trimestre consecutivo de contração. O que está acontecendo? Há uma mudança estrutural (de tendência) ocorrendo na economia brasileira ou a desaceleração mais intensa da atividade industrial refletiu também os efeitos defasados de uma combinação de fatores cíclicos (como as políticas de combate à inflação e a crise global)?
Não é fácil distinguir ciclos de tendências. Nem após os fatos, muito menos enquanto os vivenciamos. A percepção acaba oscilando junto com o ciclo, extrapola-se para o futuro a situação no presente. Como antídoto, vale pensar num outro período. Por exemplo, entre 2004 e 2008, o período imediatamente anterior à fase atual, o crescimento da indústria foi de 4,6% ao ano. Nada desprezível. O debate sobre os problemas da indústria perdeu força nesse período.
O que está em jogo não é pouco. Se estivermos sob a influência de fatores cíclicos, podemos esperar uma retomada da indústria (e da economia brasileira) no futuro próximo. Se a mudança for estrutural, provavelmente teremos de conviver com crescimento mais baixo da indústria por algum tempo, pelo menos até que mudanças mais substanciais (reformas) venham a alterar o curso atual.
Fatores estruturais certamente têm influenciado a indústria no Brasil. A participação da indústria vem diminuindo há décadas. Em preços constantes, caiu de 17,2%, em 2000, para em torno de 15%, em 2011.
Essa queda não é exclusividade do Brasil. Desde o começo dos anos 90, a participação da indústria na economia global tem caído. E essa queda é compartilhada por várias regiões do planeta (talvez com exceção da Ásia). É também um fato estilizado, já que a participação da indústria tende a ser menor quando a renda per capita do país é maior.
Há, ainda, problemas estruturais específicos do Brasil. A alta carga tributária, a falta de infraestrutura e a elevação substancial do custo da mão de obra (resultado da escassez recente) têm reduzido a competitividade da indústria e diminuído o seu crescimento ao longo do tempo.
Mas é possível que a desaceleração seja consequência também de fatores cíclicos. Esses fatores estariam somando-se mais recentemente às tendências mais longas. E há vários fatores cíclicos recentes que podem contribuir para explicar a desaceleração da indústria nos últimos 18 meses. Após a forte aceleração da economia e da atividade industrial em 2009 e início de 2010, o governo adotou medidas para combater a inflação. A taxa de juros subiu, medidas macroprudenciais foram implementadas, os gastos fiscais cresceram a taxas mais lentas e alguns incentivos tributários ao consumo de bens duráveis foram retirados. Além disso, a economia global desacelerou e a crise da dívida na Europa intensificou esse processo de arrefecimento da economia mundial.
De fato, há evidências de que os fatores cíclicos acima de fato contribuíram para a desaceleração da indústria. Estimando o impacto de fatores de demanda na indústria de transformação, concluímos que esta teve um papel relevante na desaceleração, principalmente a partir de 2011. Por fatores de demanda nos referimos aos diretos, como consumo de bens, à formação bruta de capital fixo, às exportações líquidas e aos estoques. E aos indiretos, que afetam esses componentes da demanda, a saber: 1) a taxa real de juro; 2) o crédito; 3) a taxa de câmbio real; e 4) o crescimento global.
Em razão das contenções domésticas e da fraqueza da economia global, a demanda se expandiu a passos mais lentos, levando à frustração e ao excesso de estoques. Como resultado, a produção industrial inicialmente ficou estagnada, passando a decrescer de forma persistente entre o final de 2011 e o início de 2012, mesmo com a política econômica voltando a estimular o crescimento.
Por que, então, o setor industrial sofreu mais que os outros pelos fatores cíclicos?
Estimando os impactos para o setor de serviços e para a indústria de transformação, percebe-se uma assimetria. As simulações mostram que os choques na política monetária são mais intensos na atividade industrial do que nos serviços, assim como os efeitos da atividade econômica global: o impacto de um choque de política monetária na indústria de transformação é quase o dobro do observado no setor de serviços. No caso de um choque na atividade econômica global, o impacto chega a ser cerca de cinco vezes maior na indústria do que no setor de serviços. As despesas fiscais são significativas em impactar o setor de serviços. No entanto, é razoável esperar que alguns componentes das despesas do governo, como os investimentos, sejam mais relevantes para a indústria de transformação.
Apesar de a desaceleração da produção industrial ser condizente com o aperto das condições de demanda em 2011, nota-se uma mudança em 2012. A indústria evoluiu abaixo do estimado pela demanda em 2012, o que pode ser um sinal de que outros fatores, além da demanda, influenciaram a dinâmica da indústria de transformação neste ano.
Em suma, a desaceleração recente da indústria pode ser explicada pelas dificuldades que a acompanham há algum tempo - como os problemas de infraestrutura altos custos de mão de obra e da carga tributária -, mas também pelos componentes mais recentes, como a desaceleração global e as medidas de combate à inflação em 2011, que afetaram a demanda. À medida que esses fatores mais recentes forem revertidos, podemos esperar alguma recuperação da atividade industrial mais adiante.
(*) Este artigo é baseado no texto em conjunto com Aurélio Bicalho "Políticas monetária, fiscal e choque global: análise empírica da dinâmica da produção industrial entre 2008 e 2012", preparado para o debate sobre desindustrialização na Casa das Garças em 29/6/2012.

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