O Estado de S.Paulo - 02/07/11
Notável a capacidade do empresário Abilio Diniz de fazer pouco-caso da inteligência de quem não seja da turma dele.
Ele começou com o discurso de que esse arranjo da megafusão entre o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour "é de interesse nacional". Depois, sustentou que "é bom para todos". E, agora, em comunicado oficial publicado nos principais jornais do País, reconhece que o negócio é bom para os seus interesses: "A questão principal, da qual não se deve desviar o foco, é a seguinte: a operação é ou não boa para o Pão de Açúcar?". Ou seja, para o empresário Abilio Diniz, o interesse público está fora desse foco.
O governo Dilma caiu na conversa. Pelo menos três dos seus ministros de Estado (Gleisi Hoffmann, da Casa Civil; Fernando Pimentel, do Desenvolvimento; e Guido Mantega, da Fazenda) saíram proclamando as vantagens do negócio para o País. Deixaram entrever que estavam em questão princípios de segurança nacional, uma vez que a iminência de controle do Grupo Pão de Açúcar pelo francês Grupo Casino deixaria uma importante fatia do mercado varejista nas mãos de capital estrangeiro. Nem levaram em conta que a operação não passaria de troca de sócios estrangeiros: do agora enjeitado Casino para o Carrefour. Ou seja, de uma hora para outra, o grupo francês Casino passou a ser ameaça e o, igualmente francês, Grupo Carrefour, a salvação da Nação.
Na prática, como ficou dito ontem nesta coluna, é o governo Dilma se misturando com uma disputa pelo controle de capitais privados, que carrega a suspeita de desrespeitos contratuais e, se der certo, provavelmente será lesiva aos princípios da Defesa da Concorrência.
O BNDES, por sua vez, arguindo razões estratégicas, prontificou-se a despejar quase R$ 4 bilhões nessa montagem (cá entre nós, a partir do momento em que comércio varejista passa a ser entendido como atividade estratégica, qualquer atividade econômica é também estratégica e, assim, o conceito do que é estratégico ou não perde significado).
De quebra, os dirigentes do BNDES fizeram saber que se tratava de uma operação lucrativa para o banco. Sem conseguir justificar o despejo de recursos, dois ministros de Estado, Gleisi Hoffmann e Fernando Pimentel, tentaram vender um embuste ao sustentar que os recursos do BNDES "são privados". Entenda-se a partir desse argumento que não há razões para cobrar das operações ativas do BNDES a necessária satisfação ao interesse público.
Esse episódio escracha um dos maiores problemas do País: a atual promiscuidade entre interesses públicos e privados. O empresário Abilio Diniz, talvez porque tenha feito polpuda contribuição para as despesas de campanha da então candidata à Presidência da República Dilma Rousseff, julgou-se no direito de envolver a Bandeira Nacional, a energia do governo e um punhado não desprezível de recursos públicos num negócio (que tem tudo para não passar de uma grande encrenca) em que o grande beneficiário é seu grupo comercial - como reconheceu no comunicado. Enquanto isso, o governo Dilma se mete nessa armação privada, tentando convencer o resto da sociedade de que estão em questão interesses de Estado.
Entrevista:O Estado inteligente
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