Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 05, 2011

Números que contam MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/07/11
Quando se quer ter uma dimensão da crise espanhola, costuma-se usar o número do desemprego: 20%. Quando se quer mostrar que o Brasil está muito bem, um dos dados exibidos é a menor taxa de desemprego da série iniciada em 2002. Em maio, ela foi de 6,4%. Naquele mesmo mês, para uma jovem de 18 a 24 anos, negra, a taxa brasileira ficou em 20%.

O mercado de trabalho brasileiro está num bom momento, sem dúvida. Há maior formalização, maior oferta de oportunidades, a renda está em alta e os empresários estão reclamando que falta gente para contratar. Mas, como tenho sempre registrado aqui, ele não é igual para todo mundo. Ainda que esteja ficando melhor para todos, as distâncias permanecem marcantes.

Veja os dois gráficos abaixo preparados com dados fornecidos pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de maio. Um homem branco tem taxa de país com pleno emprego, 4,2%; mas uma mulher negra (preta e parda na classificação do IBGE) tem taxa pior do que os Estados Unidos, 9,5%. Se a pessoa, de qualquer cor ou sexo, for jovem, entre 18 e 24 anos, o número chega a 13,5%. Se for jovem, mulher e negra, aí é que a taxa chega a ser espanhola, 20%.

Um leitor mandou e-mail considerando como possível explicação para o desemprego alto de mulheres negras e jovens o "absenteísmo causado pela licença-maternidade". Na verdade, até para os homens a taxa nesta faixa etária é alta. É alta para todos dessa idade, mas é incrivelmente elevada para jovens negras.

O mercado de trabalho brasileiro está todo cheio de coisas estranhas como mostram as taxas de desemprego por faixa de instrução. Elas são menores para quem tem pouca ou tem muita instrução; o perigo é ficar no meio. Com até um ano de estudo, a taxa é de 3,2%; até três anos, 3,3%. Com ensino universitário é de 5%. Mas com oito a dez anos de estudo é de 7,9%. Para mulher negra nesta faixa de escolaridade é de 13,2%.

Entre pessoas com baixa escolaridade, as diferenças também estão presentes. Se for homem branco, de um ano a três anos de estudo, o desemprego é 1,9%; se for mulher branca, é 5,5%; se for mulher negra, é 6,7%. Se tiver de oito a dez anos de escolaridade, os homens brancos têm 5,8% de desemprego; as mulheres brancas, 9%; as mulheres negras (pretas e pardas), 11,1%.

O mercado de trabalho prefere homens brancos e que já tenham concluído o período de treinamento. Quem não concluiu o ensino médio, quem está procurando o primeiro emprego, mulheres, principalmente as negras, amargam número de país em crise, mesmo no nosso melhor momento.

Alguns números não querem dizer o que parecem, precisam ser explicados; mas os da taxa desagregada de desemprego querem dizer exatamente o que dizem: o mercado de trabalho no Brasil, mesmo num momento em que tantos empresários se queixam de falta de gente, se dá ao luxo de preferir e preterir. O mercado prefere homens brancos, deixa em segundo plano mulheres, tenta evitar os muito jovens e cria ainda mais barreiras para mulheres negras. Pode-se explicar o fenômeno com qualquer contorcionismo, mas seria preferível ver o que os números contam. Eles contam que o mercado de trabalho no Brasil discrimina. E este seria o melhor momento para superar essas barreiras, afinal, as empresas se queixam de "apagão de mão de obra". É a melhor hora para a inclusão.

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