O Estado de S.Paulo 14/07/11
O fechamento do tabloide inglês The News of the World, que vendia 2,6 milhões de exemplares, deu a largada para a principal discussão sobre ética de imprensa no mundo globalizado. A partir de agora está claríssimo: a conduta dos órgãos encarregados de informar a sociedade é uma pauta supranacional. Não é apenas o capital que viaja em segundos de um continente para outro. Não são apenas as massas trabalhadoras que migram clandestinamente para disputar empregos em terras estrangeiras. Não é apenas a indústria da diversão que alcança simultaneamente os olhares de povos distantes entre si. Agora ficou evidente: a credibilidade dos órgãos jornalísticos não é meramente um assunto doméstico, ela floresce e sucumbe na arena global.
Já veremos por quê. Antes façamos uma recapitulação sumária do que se passou.
Esse jornal, The News of the World, tinha 168 anos de idade. Desde 1969 pertencia à News Corporation, o megaconglomerado internacional, com faturamento na casa dos US$ 33 bilhões ao ano, controlado pelo australiano Rupert Murdoch. Vivia de bisbilhotagem, luxúria e algum sangue. Vivia muito bem, apesar do lento declínio em circulação, que vinha de décadas. Sua fórmula editorial ia dos aposentos da família real em Londres às estripulias transoceânicas dos astros do show business, passando por bestialidades a granel.
Há poucos anos, seus métodos "jornalísticos" passaram a ser contestados. No site da Press Complaints Commission - instituição encarregada da autorregulamentação da imprensa britânica - há queixas de escutas clandestinas contra ele. Na esfera policial também houve investigações. Um jornalista do News of the World, Clive Goodman, chegou a ser preso em 2007.
Tudo isso não é novo, portanto. Mas até então se acreditava que os crimes registrados eram desvios individuais, casos isolados, como se diz. Agora se viu que não. Os crimes são mais sérios e muito mais numerosos. Segundo apontam as investigações, seriam mais de 4 mil os telefones grampeados pelo jornal. Estamos falando, portanto, da industrialização do grampo. Gerenciar milhares de escutas clandestinas é uma operação de monta: requer equipes treinadas, orçamentos bem planejados, estruturas próprias. Os inquéritos vão dando conta de que o News não era uma redação jornalística - era uma agência de arapongas assalariados.
Descobriu-se mais. Além de grampear celebridades - o que já constitui uma ilegalidade inaceitável, que se situa fora do campo do jornalismo -, o jornal teria invadido celulares de pessoas comuns, que não dependem do estrelato para inflar seus cachês. Grampeou parentes de soldados mortos. Grampeou até a adolescente Milly Dowler. A garota estava desaparecida - soube-se depois que já tinha sido assassinada - quando detetives contratados pelo News apagaram mensagens de seu celular, o que causou nos familiares a impressão de que ela ainda estava viva. Com isso o caso ganhou uma sobrevida - e, em consequência, a cobertura do caso, liderada pelo News of the World, também ganhou sobrevida. Lucrativa.
Essas revelações estarreceram a Inglaterra. O tabloide era um serial killer da privacidade de gente comum. Anunciantes caíram fora. Os protestos se generalizaram. Murdoch fechou o semanário, na tentativa de estancar a sangria de reputação e de salvar um objetivo maior: ele queria comprar a totalidade da BSkyB, um poderoso grupo de canais a cabo do qual já é sócio. A tentativa não deu certo. O quadro só se complicou. Andy Coulson, ex-diretor do News of the World e porta-voz de David Cameron, o primeiro-ministro britânico, até janeiro de 2011, foi preso na sexta-feira passada. Só foi liberado sob fiança. O ex-primeiro ministro Gordon Brown diz que também foi grampeado. A crise do tabloide virou uma crise no Parlamento. Políticos de correntes várias passaram a contestar em público as pretensões do dono da News Corp., a tal ponto que, ontem mesmo, Murdoch anunciou que desistiu da compra da BSkyB. Ele está acuado. Na Inglaterra e no mundo.
Aí é que entram as razões da internacionalização desse debate. O escândalo dos grampos virou notícia no mundo todo porque o conglomerado de Murdoch está no mundo todo - e se ele faz por aí o que parece ter feito em Londres, isso diz respeito a todos nós. Ontem pela manhã a Rádio CBN noticiou em primeira mão no Brasil que o senador democrata Jay Rockefeller pretende investigar o grupo de Murdoch nos Estados Unidos. Um dos jornais que mais se destacaram na cobertura dos bueiros da News Corp. - depois do diário inglês The Guardian - é o americano The New York Times, que vem sofrendo uma concorrência frontal do Wall Street Journal, comprado, em 2007, por ninguém menos que Murdoch. Na Newsweek desta semana, o jornalista Carl Bernstein - autor, ao lado de Bob Woodward, da série de reportagens sobre o escândalo de Watergate, publicadas no Washington Post, que levaram a renúncia de Richard Nixon, em 1974 - lança a pergunta que só ele pode fazer: será que esse escândalo não é o Watergate de Murdoch?
O sentimento geral foi bem sintetizado pela revista The Economist de quinta passada: "Se ficar provado que os diretores da News Corporation agiram contra a lei, eles não deveriam mais comandar nenhum jornal ou estação de TV. Deveriam estar na cadeia". Isso vale para qualquer país. No mundo de hoje, as práticas dos tabloides ingleses viraram tema do interesse público internacional.
Sim, isso mesmo. Existe um interesse público internacional, ainda que difuso, rarefeito, pouco institucionalizado. Não são apenas o capitalismo selvagem e a especulação financeira que rasgam fronteiras. As preocupações humanitárias em geral e a ética jornalística em particular também se globalizam como valores universais. É a isso que Murdoch terá de prestar contas. E com isso ele talvez não contasse.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2011
(2527)
-
▼
julho
(245)
- DILMA: OS ENORMES RISCOS DA ESTRATÉGIA DE IMAGEM! ...
- O poder pelo poder GAUDÊNCIO TORQUATO
- A nova era na roda do chope JOÃO UBALDO RIBEIRO
- Teatro do absurdo MÍRIAM LEITÃO
- Foco errado CELSO MING
- As marcas do atraso JANIO DE FREITAS
- Uns craseiam, outros ganham fama FERREIRA GULLAR
- Chapa quente DORA KRAMER
- Corrupção - cortar o mal pela raiz SUELY CALDAS
- Liberdade, oh, liberdade DANUZA LEÃO
- Como Dilma está dirigindo? VINICIUS TORRES FREIRE
- Prévias? Não no meu partido MARCO ANTONIO VILLA
- Dilma se mostra Merval Pereira
- A reforma tributaria possível. Ives Gandra da Sil...
- Um plano para o calote Celso Ming
- O ''PAC'' que funciona EDITORIAL ESTADÃO
- Mudança de enfoque - Merval Pereira
- Dilma e as sofríveis escolhas ALOISIO DE TOLEDO CÉSAR
- Refrescar a indústria Míriam Leitão
- Míriam Leitão O dragão na porta
- Prévias da discórdia Merval Pereira
- O governo e a batalha do câmbio Luiz Carlos Mendon...
- Coragem e generosidade Nelson Motta
- O discreto charme da incompetência Josef Barat
- O que pensa a classe média? João Mellão Neto
- Mensagem ambígua Celso Ming
- Um boné na soleira Dora Kramer
- O sucesso de um modelo ALON FEUERWER KE
- Merval Pereira Bom sinal
- IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - A velhice dos tempo...
- VINÍCIUS TORRES FREIRE - Dólar, bomba e tiro n"água
- A Copa não vale tudo isso EDITORIAL O ESTADÃO
- ALBERTO TAMER - Mais investimentos. Onde?
- CELSO MING - O dólar na mira, outra vez
- DORA KRAMER - Jogo das carapuças
- Dólar e juros MÍRIAM LEITÃO
- Ética flexível Merval Pereira
- Roubar, não pode mais EDITORIAL O Estado de S.Paulo
- Da crise financeira à fiscal e política Sergio Amaral
- Ficção científica nos EUA Vinicius Torres Freire
- Dólar, o que fazer? Míriam Leitão
- Lá se vão os anéis Dora Kramer
- Mundo que vai, mundo que volta Roberto de Pompeu ...
- Desembarque dos capitais Celso Ming
- E se não for o que parece? José Paulo Kupfer
- Economia Criativa em números Lidia Goldenstein
- A inundação continua Rolf Kuntz
- Abaixo a democracia! Reinaldo Azevedo
- Veja Edição 2227 • 27 de julho de 2011
- Faxina seletiva MERVAL PEREIRA
- Eles não falam ararês MÍRIAM LEITÃO
- O impasse continua - Celso Ming
- Insensata opção Dora Kramer
- O Brasil e a América Latina Rubens Barbosa
- Justiça, corrupção e impunidade Marco Antonio Villa
- Agronegócio familiar Xico Graziano
- Ruy Fabiano - A criminalização do Poder
- Imprensa, crime e castigo - Carlos Alberto Di Franco
- Quando o absurdo se torna realidade Antonio Pentea...
- Vale-tudo ideológico EDITORIAL O Globo
- O bagrinho Igor Gielow
- Com o dinheiro do povo Carlos Alberto Sardenberg
- Questão de fé RICARDO NOBLAT
- Celso Ming O que muda no emprego
- Alberto Tamer E aquela crise não veio
- João Ubaldo Ribeiro A corrupção democrática
- Danuza Leão Alguma coisa está errada
- Janio de Freitas Escândalos exemplares
- Merval Pereira Dilma e seus desafios
- Dora Kramer Vícios na origem
- Ferreira GullarTemos ou não temos presidente?
- Roberto Romano Segredo e bandalheira
- Agência Nacional da Propina-Revista Época
- Presidencialismo de transação:: Marco Antonio Villa
- Dilma e sua armadilha Merval Pereira
- Guerra fiscal sem controle Ricardo Brand
- A Pequena Depressão Paul Krugman
- Longo caminho Míriam Leitão
- De quintal a reserva legal KÁTIA ABREU
- O que vem agora? Celso Ming
- Marco Aurélio Nogueira O turismo globalizado
- Os perigos de 2012 Editorial O Estado de S. Paulo
- Guerra de dossiês Eliane Cantanhêde
- Sinais de alerta Merval Pereira
- União reforçada Miriam Leitão
- Pagar, doar, contribuir NELSON MOTTA
- Roncos da reação DORA KRAMER
- Festa cara para o contribuinte EDITORIAL O Estado ...
- Em torno da indignação FERNANDO GABEIRA
- Brasil esnobou os EUA. Errou - Alberto Tamer
- O baixo risco de ser corrupto no Brasil Leonardo A...
- Triste papel Merval Pereira
- Financiamento da energia elétrica - Adriano Pires ...
- O partido do euro - Demétrio Magnoli
- Trem-bala de grosso calibre - Roberto Macedo
- A cruz e a espada - Dora Kramer
- O grande arranjo - Celso Ming
- À luz do dia ELIANE CANTANHÊDE
- Entrevista: Maílson da Nóbrega
- Arminio Fraga "Europa entre o despreparo e a perpl...
-
▼
julho
(245)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA