O Estado de S.Paulo - 17/07/11
A enorme vacilação e frequência com que erram na escolha de prioridades sugere que os governos dos países da área do euro não entenderam que a sociedade do bem-estar social não voltará tão cedo a ser o que era.
Não é mais possível nem sustentar a vida boa com a expropriação de riquezas que se viu nos tempos colonialistas, como aconteceu logo depois da Revolução Industrial, nem com as receitas das exportações para o resto do mundo, como ao longo do século 20.
Os tempos são de rápida e radical redivisão internacional do trabalho, que implica a criação de empregos na Ásia e em certos países emergentes do Ocidente. A contrapartida é o desemprego crescente na Europa - e também nos Estados Unidos - que os programas de seguro social não conseguem mais financiar.
Os dirigentes políticos já apontaram o indicador para uma lista enorme de responsáveis pela crise: os bancos, a especulação financeira, o mercado de derivativos, as agências de classificação de risco, a política cambial da China, a inoperância dos organismos reguladores e, até mesmo, os imigrantes. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, por exemplo, já não sabe mais quem apedrejar.
Logo se viu que, ao contrário do que tanto se disse, o mercado financeiro e os demonizados mecanismos neoliberais foram as instituições que ainda deram sobrevida ao atual modelo consumista e empregador de gente nos países ricos.
Não fossem os generosos financiamentos proporcionados pelas instituições financeiras e a fartura de liquidez despejada pelos bancos centrais - que acionaram a contrapartida da crise da dívida -, a festa teria acabado há mais tempo. Sem os bancos, não há como garantir a sobrevivência da maior parte das economias líderes: mal com eles, pior sem eles. Entre perplexidades e medo, os chefes de Estado vão tomando consciência de que não é apenas a saúde fiscal das economias que dirigem que está em jogo; é preciso garantir, também, o equilíbrio patrimonial dos seus bancos. Depois da catástrofe provocada pelo naufrágio do Lehman Brothers, em 2008, nenhum governo se arrisca mais a deixar afundar um banco de certo porte.
Enquanto isso, os indignados da Europa acampam nas praças públicas e organizam barulhentas e, às vezes, demolidoras manifestações de rua, incapazes de definir uma única proposta alternativa ao que está aí.
Já sentiram na carne que diploma universitário e título de doutor já não garantem o futuro. Mas ainda não se deram conta de que a inexorável transferência do centro produtivo do mundo para a Ásia e para os países emergentes conjugada com o maior emprego de Tecnologia da Informação, produz consequências: tirou o financiamento do modelo de vida de que vinham usufruindo.
As dívidas soberanas de um punhado de países estão ficando impagáveis e da lista não podem ser sumariamente excluídos os Estados Unidos. Elas impõem sobre as sociedades uma carga insuportável, como a que o Tratado de Versalhes impôs à Alemanha depois de 1919. O que vem em seguida é uma incógnita. O risco é o de que a falta de opções produza desordens. Quando sobrevêm as desordens, as sociedades procuram um führer. E quando os führers entram em cena, a primeira vítima é a democracia.
CONFIRA
Titanic
Ao discursar sexta-feira no Senado da Itália em favor do projeto do governo de um plano de austeridade, o ministro das Finanças, Giulio Tremonti, comparou a área do euro ao Titanic pouco antes do pior: "A Europa tem um encontro com seu destino. A salvação não chega pelas finanças, mas pela política, que não pode cometer erros. É como o Titanic: não se salvam nem os passageiros da primeira classe". E concluiu: "A dívida pública é um monstro do passado, mas, se não a controlarmos, devorará nosso futuro".
Ele entendeu
Tremonti é das poucas autoridades que entenderam o que está em jogo.
Entrevista:O Estado inteligente
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