Avenida Ipiranga, 8h da manhã de sexta-feira passada. Tirei um fino de
dois ciclistas, entre os muitos que pedalavam prensados entre os
carros estacionados à sua direita e os carros em movimento do lado
esquerdo. Pensei: é um milagre que não ocorram mais acidentes
envolvendo esse pessoal. Nem imaginava que, à noite, aconteceria
aquele espantoso atropelamento em massa.
Não sei o que mais precisa acontecer para Porto Alegre se
conscientizar da importância de se determinar um espaço para uso
exclusivo de bicicletas, esse meio de transporte revolucionário. Elas
são baratas, não poluem o ar, não gastam combustível, são fáceis de
estacionar e ainda colaboram para o nosso condicionamento físico. Por
que são reverenciadas na Europa e não aqui?
As cidades europeias nasceram séculos antes de Henry Ford. Os
primeiros prédios foram construídos sem garagem, lógico, e não vieram
outros prédios, pois a Europa tem esta mania estranha de preservar seu
patrimônio, modernizando-se por dentro, mas mantendo a fachada de
origem, o que faz dela o continente mais belo do planeta.
Até nos vilarejos medievais há ciclovias e códigos de trânsito para
ciclistas. E o conceito de status social difere do nosso. Os
adolescentes fazem 18 anos, depois 28, e então 38, e, se não tiverem
um carro, continuam sendo cidadãos respeitáveis e conseguem inclusive
arranjar namorada.
Já o Brasil, a exemplo dos Estados Unidos, cultua o automóvel a ponto
de ser prisioneiro dele. Somos estimulados a nos endividar para ter um
carro do ano, como se isso fosse dizer quem somos. De certa maneira,
diz. Diz que somos vítimas de um comportamento padrão que vê com
desconfiança hábitos alternativos e que pouco luta por um transporte
público mais seguro e eficiente, o que nos tornaria menos dependentes
das quatro rodas e suas trações.
No Rio Grande do Sul, há 5 milhões de veículos transitando pelas ruas
e estradas. Por um lado, a notícia é boa, pois comprova a elevação do
nosso poder aquisitivo, mas por outro é preocupante, já que não há
condições de acomodar toda essa frota nas grandes cidades,
principalmente na capital, onde o trânsito flui de forma lenta, mal
organizada e despreparada para o convívio com veículos menos potentes.
Que a estupidez que aconteceu na última sexta-feira sirva para duas
coisas. Primeira: alertar para o perigo do superaquecimento não só
ambiental, mas mental. Pessoas destemperadas, que não conseguem se
controlar, devem ser afastadas dos volantes (se alguns manifestantes
perderam a cabeça com o motorista durante a discussão, vale pra eles
também – ninguém tem que dar socos em para-brisas).
Segunda: que se providencie a repintura das sinalizações no asfalto
das ciclovias já existentes, e que sejam criados vários outros
quilômetros de pistas exclusivas para bikes. Não é só para passear nos
finais de semana que se usa bicicleta: elas levam estudantes e
trabalhadores aos seus destinos todos os dias. É uma questão séria de
gestão urbana.