Valor Econômico - 04/03/2011
 
Entre 2009 e 2010, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fez um amplo estudo para estimar o impacto das atividades da Petrobras sobre o desenvolvimento produtivo e tecnológico dos seus fornecedores no Brasil. O estudo foi publicado em novembro de 2010 e está disponível em um livro no site do Ipea. Não participei do estudo, mas li com cuidado o resultado da pesquisa e comento abaixo algumas dessas conclusões.
Quando se compara os fornecedores da Petrobras com os não fornecedores, nota-se que as primeiras: a) pagam um salário médio 80% maior; b) têm um porte médio maior (ganhos de escala); c) rotatividade da mão de obra menor; d) empregam 42,1% de todos os engenheiros que têm carteira assinada na indústria e serviços selecionados pelo estudo; e e) empregam também 43,3% dos profissionais científicos e 45,9% dos pesquisadores dos setores analisados. No entanto, os resultados não são tão espetaculares quando se investigam os efeitos dinâmicos do relacionamento com a Petrobras.
No caso do engajamento em atividades de inovação, o resultado da pesquisa mostra que, de fato, o crescimento no número de pesquisadores, engenheiros e profissionais científicos é maior para empresas que passam a fornecer para a Petrobras do que para os não fornecedores (seção 3.1). No entanto, na pesquisa qualitativa com cerca de 100 fornecedores, 75% deles afirmam que o desenvolvimento de novos produtos decorreu de esforços próprios de inovação e apenas 8,3% destacam a parceria com a Petrobras como principal fonte (página 55). Ou seja, as empresas inovam por esforço próprio e não porque contam com uma ajuda tutorial da Petrobras.
No quesito crescimento (mensurado pela taxa de crescimento do emprego relativo das firmas em relação ao setor), o uso de técnicas estatísticas mostram que os fornecedores da petroleira apresentam taxas de crescimento (do emprego relativo) superiores aos não fornecedores, mas a diferença entre os dois grupo é pequena (1,15% para os fornecedores e 1,10% para os não fornecedores em 2000 e 2001) ou não é significativa para alguns anos (quando a comparação tem início em 2001). Na mesma seção do trabalho, os pesquisadores investigam se o fato de se tornar um fornecedor da Petrobras aumentaria o acesso ao crédito do BNDES e se aumentaria o investimento. Essa hipótese, no entanto, não foi comprovada (páginas 30-32).
Em relação ao crescimento da produtividade (mensurado no trabalho por meio do crescimento do salário médio real), o livro destaca que: "Os resultados ambíguos obtidos deixam claro que não é possível afirmar que a relação com a estatal teria um efeito sobre a produtividade de seus fornecedores no período posterior ao início dessa relação (pp. 35)". No caso do crescimento do nível do emprego, o estudo mostra ainda que parte do emprego criado é destruído quando as empresas passam a fornecer para a Petrobras e, mesmo quando se controla pelo número de anos de relacionamento com a petroleira, o efeito sobre o emprego, embora positivo, não chega a ser estatisticamente significante.
No caso das exportações (páginas 38-41), mais uma vez, as complexas e rigorosas técnicas estatísticas mostram que, para os períodos de 2000/2001 e 2004/2005, os efeitos embora positivos, não são estatisticamente significantes, ou seja, não foram comprovados. E na pesquisa qualitativa, nenhuma empresa entrevistada declarou ter aumentado suas exportações como resultado das relações com a Petrobras (página 57).
Um dos capítulos do livro (capítulo 5) analisa o efeito da Petrobras nos fornecedores de máquinas e equipamentos. As empresas que fornecem para a estatal são grandes exportadoras (exportaram US$ 2,3 bilhões em 2006), mas são também grandes importadores (importaram US$ 2 bilhões no mesmo período). Adicionalmente, a tabela 1 da página 63 mostra que, com exceção de três produtos, a demanda da petroleira não chega a 10% do total de compras do setor, o que mostra ser a demanda da Petrobras insuficiente para modificar o padrão de especialização da indústria de máquinas e equipamentos no Brasil. No caso da inovação neste setor, apesar de os fornecedores da Petrobras empregarem um maior número de trabalhadores em carreiras técnico-cientificas, "esses profissionais estariam sendo empregados mais para a adaptação tecnológica do que para a geração de tecnologias endógenas às firmas" (página 75).
O capítulo 6 analisa a indústria naval e mostra que as encomendas da Petrobras foram importantes para reativar a indústria naval no Brasil que, em 2009, já empregavam cerca de 232 mil trabalhadores. No entanto, dados para a indústria naval mostraram também que os gastos em P&D (em percentual da receita líquida) são inexpressivos no setor e que existem apenas 21 pessoas (sendo sete deles doutores) ocupados em P&D. Ao contrário do Japão e Coreia do Sul, está-se criando, no Brasil, uma grande indústria de montagem de navios; ou indústrias maquiladoras do setor naval (páginas 84-85).
Por fim, um dado interessante, que não aparece no livro publicado mas escutei de pesquisadores que participaram da pesquisa, é que mais da metade das compras da Petrobras (entre 55% e 60%), no setor industrial doméstico, de 2004 a 2007, são compras de empresas brasileiras de capital estrangeiro. Ou seja, a exigência de conteúdo nacional parece estar funcionando muito mais para atrair empresas estrangeiras para o Brasil do que como estímulo ao desenvolvimento de empresas nacionais.
Em resumo, a Petrobras é uma grande empresa, com acionistas estrangeiros e com mais da metade de fornecedores industriais que são empresas estrangeiras no Brasil. Isso não é, necessariamente, ruim; e talvez seja essencial para que a estatal continue como a empresa mais inovadora no Brasil e América do Sul. Dito isso, precisamos entender que os dilemas para o crescimento do Brasil são muito maiores que o crescimento da Petrobras. Assim, controle o seu entusiasmo com o "petróleo é nosso".
Mansueto Almeida é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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