VALOR ECONÔMICO
A campanha corre o risco de acabar sem que se discuta que social-democracia é esta em que só há lugar para a ação paternal do Estado
Não é preciso recuar muito no tempo, pois são de ontem os debates, na França e nos Estados Unidos, que confrontaram os candidatos à presidência Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal, no primeiro caso, e Barack Obama e John McCain, no segundo, quando, com audiência mundial, cada um dos oponentes apresentou seus diagnósticos sobre o estado de coisas reinante em seus países e os programas de ação em que iram se empenhar, caso vitoriosos. Evidente e natural que os temas selecionados e o tipo de desempenho adotado por eles estavam largamente informados por pesquisas de opinião e por especialistas em marketing eleitoral, mas também ficou evidente, nas intervenções espontâneas, no calor das controvérsias, a marca personalíssima de cada candidato nas questões mais sentidas de suas sociedades, como a emigração, a guerra, os rumos da economia e da administração da questão social. Sequer faltaram as que tinham por objeto a própria interpretação de suas histórias nacionais, como nas famosas interpelações de Barack Obama ao inventário das tradições americanas.
Ora, direis, ouvir estrelas... Não haveria termo de comparação entre essas duas sociedades, vanguardas do Ocidente desenvolvido, com a brasileira, e, assim, não se deveria esperar que a campanha presidencial em curso reeditasse o seu padrão de debates. Na velha pauta do nosso pensamento conservador, deveríamos admitir a natureza refratária da massa dos indivíduos subalternos aos temas abstratos e complexos, apenas capazes de dar ouvidos a quem deles se aproximar com um dom materialmente tangível. Seria deles, afinal, a responsabilidade pela pobreza dos debates, e, assim, mais uma vez, explica-se a falta de imaginação e o caráter personalista da nossa política como resposta funcional à rusticidade da nossa sociologia.
Dessa forma, a campanha presidencial quando se destina às massas deserdadas do Nordeste se torna refém das políticas de programas assistencialistas, a serem expandidos e aperfeiçoados na linguagem comum dos candidatos. Se o estado de emergência em que vivem justifica esse tipo de intervenção, não há razão alguma para que não se introduzam nos debates sucessórios a questão crucial da transposição do rio São Francisco, com os temas a ela correlatos, para a qual a população sertaneja, caso exposta às controvérsias nela presentes, saberia manifestar as suas preferências. Sobretudo no que dissesse respeito às novas oportunidades que se poderiam abrir para que, ela própria, viesse a reunir condições para reinventar a sua forma de inscrição no seu mundo. O mesmo em relação às populações a serem afetadas pelas intervenções nas bacias hidrográficas já em andamento ou em fase de planejamento no Norte do país.
Contudo, o modelo da social-democracia neocorporativa à brasileira, admitindo-se como adequada essa conceituação em voga sobre o que seria, de FHC a Lula, a caracterização do sistema de governo atual, demonstra confiar muito pouco na sociedade civil. Seu atraso constitutivo e sua tradicional fragmentação não favoreceriam a que a livre explicitação dos interesses conduzisse às soluções mais justas e racionais, que dependeriam - em um diagnóstico que nos devolve à demofobia de um Oliveira Vianna dos anos 1920/30 -, mais do que a arbitragem do Estado diante de interesses divergentes, da sua intervenção direta na qualidade de intérprete mais qualificado do interesse geral. Com essa prática, que tem prevalecido nestes anos do segundo mandato de Lula, felizmente ainda sem teoria que a escore, o melhor lugar para os movimentos sociais ou estaria nas adjacências do Estado ou no seu próprio interior.
Um exemplo significativo desse estado de coisas se encontra na vida sindical. A opção por um modelo de sistema de sindicalismo negociado, em oposição ao legislado, consistiu em uma das marcas de origem da formação do PT, presente desde os tempos em que Lula era um sindicalista metalúrgico do ABC. Ainda fiel a essa inspiração, o então ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, destacado sindicalista e prócer do PT, interpretando deliberações do Forum Nacional do Trabalho, convocado pelo próprio governo, encaminhou a PEC 369/05, dizendo, em sua declaração de motivos, reconhecer a necessidade de uma reforma que torne "a organização sindical livre e autônoma em relação ao Estado", vindo a fomentar "a negociação coletiva como instrumento fundamental para a solução de conflitos".
Nessa exposição de motivos, o ministro Berzoini identifica a existência de "obstáculos institucionais à modernização das relações sindicais", que estariam a impedir a ação de uma representação autêntica da vida associativa dos trabalhadores, e, entre outras medidas relevantes, propõe a desconstitucionalização do princípio da unicidade sindical, clara opção em favor da pluralidade sindical e da extinção da contribuição sindical. Como amplamente sabido, o governo recuou dessa proposta, mudando sua agenda sindical no sentido de destinar às centrais sindicais reconhecidas pela legislação um porcentual do arrecadado com a contribuição compulsória, com o que veio a propiciar o retorno a práticas do corporativismo de Estado, que sempre combateu.
A cara nova da social-democracia à brasileira, se o conceito se aplica, data daí, de 2005, quando se disparou o comando de meia-volta, volver, e, em marcha batida, redescobrimos o Estado dos anos 1950/60. De lá para cá, já se passou uma campanha presidencial e estamos quase ao término de outra, sem que se discuta que social-democracia é esta, em que só cabe lugar para o Estado e sua ação paternal sobre a sociedade.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional. Escreve às segundas-feiras
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
setembro
(283)
- Lulambança CARLOS ALBERTO SARDENBERG
- No foco, o câmbio Celso Ming
- De Pomona a Marte Demétrio Magnoli
- O último debate Miriam Leitão
- Do alto do salto Dora Kramer
- Diferenças e tendências Merval Pereira
- De Severino a Tiririca DORA KRAMER
- Mudança de vento Merval Pereira
- O tom do recado Míriam Leitão
- Marolinha vermelha Marco Antonio Villa
- Últimas semanas:: Wilson Figueiredo
- A via sindical para o poder Leôncio Martins Rodrigues
- Por que os escândalos não tiram Dilma do topo José...
- Mais controle de capitais Celso Ming
- A derrota de Chávez EDITORIAL O Estado de S. Paulo
- O papel do STF Luiz Garcia
- O Brasil em primeiro lugar Rubens Barbosa
- Guerra cambial Celso Ming
- O corte inglês Miriam Leitão
- Os mundos e fundos do BNDES Vinicius Torres Freire
- As boquinhas fechadas Arnaldo Jabor
- Sinais de fumaça e planos para segunda-feira:: Ray...
- Faroeste :: Eliane Cantanhêde
- Mais indecisos e "marola verde" :: Fernando de Bar...
- Em marcha à ré :: Dora Kramer
- Marina contra Dilma:: Merval Pereira
- Fabricando fantasmas Paulo Guedes
- Qual oposição? DENIS LERRER ROSENFIELD
- Capitalização e política O Estado de S. Paulo Edit...
- O eleitorado traído Autor(es): Carlos Alberto Sard...
- Como foi mesmo esse maior negócio do mundo? Marco...
- Mary Zaidan - caras-de-pau
- OS SEGREDOS DO LOBISTA DIEGO ESCOSTEGUY E RODRIGO ...
- E agora, Petrobrás? -Celso Ming
- Alerta contra a anestesia crítica:: Carlos Guilher...
- Em passo de ganso e à margem da lei :: Wilson Figu...
- Às vésperas do pleito:: Ferreira Gullar
- A Previdência e os candidatos Suely Caldas
- Todo poder tem limite EDITORIAL FOLHA DE SÃO PAULO
- Forças e fraquezas Miriam Leitão
- Metamorfoses Merval Pereira
- A CONSPIRAÇÃO DA IMPRENSA João Ubaldo Ribeiro
- A posse das coisas DANUZA LEÃO
- A semente da resistência REVISTA VEJA
- LYA LUFT Liberdade e honra
- O gosto da surpresa BETTY MILAN
- Dora Kramer - Lógica de palanque
- Gaudêncio Torquato -O voto, dever ou direito?
- Que esquerda é esta? Luiz Sérgio Henriques
- O mal a evitar-Editorial O Estado de S Paulo
- MARIANO GRONDONA Urge descifrar el insólito ADN de...
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ El último recurso de los Kirc...
- A musculatura do PT Ruy Fabiano
- Miriam Leitão Vantagens e limites
- Merval Pereira: "Lula poderá ser um poder paralelo''
- A política em estado de sofrimento :: Marco Auréli...
- ANTES QUE SEJA TARDE MAURO CHAVES
- A imprensa no pós-Lula EDITORIAL O ESTADO DE SÃO P...
- Limites Merval Pereira
- Os segredos do lobista-VEJA
- A concentração anormal-Maria Helena Rubinato
- Sandro Vaia - O juiz da imprensa
- Contas vermelhas Miriam Leitão
- Porões e salões :: Luiz Garcia
- FÁBULA DA FEIJOADA FERNANDO DE BARROS E SILVA
- Margem de incerteza EDITORIAL FOLHA DE SÃO PAULO
- Razões Merval Pereira
- E o câmbio continua matando! Luiz Aubert Neto
- Um passo além do peleguismo O Estado de S. Paulo E...
- As dúvidas acerca do uso do FSB se acumulam- O Est...
- Anatomia de um aparelho lulopetista Editorial O Globo
- Lógica de palanque- Dora Kramer
- Inconsistências no câmbio - Celso Ming
- O resultado da capitalização da Petrobrás : Adrian...
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG A falta que nos faz o li...
- Liberdade até para os estúpidos-Ronald de Carvalho
- MÍRIAM LEITÃO Câmbio errado
- O efeito Erenice :: Eliane Cantanhêde
- Tempos petistas:Merval Pereira
- O sucesso do modelo da telefonia O Globo Editorial
- O desmanche da democracia O Estado de S. Paulo Edi...
- Ato insensato - Dora Kramer
- Afrouxar ou não afrouxar- Celso Ming
- A decadência dos EUA - Alberto Tamer
- A cara do cara:: Marco Antonio Villa
- Entrevista:: Fernando Henrique Cardoso.
- Peso da corrupção Miriam Leitão
- Uma eleição sem regras ROBERTO DaMATTA
- Perdendo as estribeiras Zuenir Ventura
- FERNANDO DE BARROS E SILVA A boa palavra de FHC
- MERVAL PEREIRA Prenúncios
- O Fundo Soberano e o dólar O Estado de S. Paulo Ed...
- As contas externas serão o maior problema em 2011 ...
- E no câmbio, quem manda?- Celso Ming
- Autocombustão - Dora Kramer
- Traços em relevo Miriam Leitão
- MERVAL PEREIRA A democracia de Lula
- A ELITE QUE LULA NÃO SUPORTA EDITORIAL O ESTADO DE...
- ELIANE CANTANHÊDE Paulada na imprensa
- ARNALDO JABOR Lula é um fenômeno religioso
-
▼
setembro
(283)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA