JORNAL DO BRASIL
Agora foi para valer. O presidente Lula deu a senha quando acusou a imprensa de atuar como partido político e as centrais sindicais aproveitaram a deixa para entrar na cena eleitoral como tropa de choque. Montado o quadro, a retórica presidencial insuflou o eco sindicalista e autorizou a suspeita de que se aproximava a oportunidade de coordenar ameaças, propagar a intimidação e seguir em frente. O espalhafato deu a medida da irracionalidade em curso. Pairou no ar irrespirável a expectativa de chumbo grosso por conta da prestação de serviço desnecessário, pois as pesquisas apontam resultado favorável à candidata oficial que, com perdão da palavra, anda botando preferência pelo ladrão.
A exibição de força é recurso comprometedor para quem conta, já no primeiro turno, com a maioria de votos (prometidos pelas pesquisas) suficiente para evitar a segunda prova de fogo. A exaltação presidencial, aumentada pelo receio de ocorrer a necessidade de voltar às urnas (um efeito democrático que não se destina a humilhar nenhum candidato), excedeu a racionalidade e gerou a suspeita de algo emboscado na primeira curva do percurso. Nesta encenação da fábula de La Fontaine, o papel principal coube ao presidente Lula, na pele do lobo: as pesquisas mostram a candidata Dilma Rousseff a montante do candidato José Serra e, portanto, desautorizam a alegação petista de que os jornais – vá lá, a mídia - excedem o direito de informar e opinar, e mandam às favas a versão de que os meios de comunicação usurpam o papel de partidos políticos. A diferença está no palanque oficial (e não à margem do riacho que irriga a fábula): ela, Dilma, na parte superior e ele, Serra, embaixo nas pesquisas. E, por mais que Lula deblatere, não há rio que corra para cima por mais que Lula desafine. A conclusão, como qualquer riacho que se preze, se encaminha para onde desembocam todas as suspeitas que levaram água abaixo sofismas e desculpas esfarrapadas.
Se o presidente Lula quiser salvar mais do que as aparências, valendo-se mais uma vez da alegação de que deve sua eleição à liberdade de imprensa, não pode esquecer que as centrais sindicais têm precedência na sua biografia, mas lhes falta autorização legal para assumir função de instrumento político. São as centrais sindicais, e não os meios de comunicação, que, no passo maior do que as pernas, invadem trilha exclusiva de agremiações políticas e passam por cima das convenções. O clima de agouro não melhora a posição enfática do sindicalismo que aceita o papel de agente estatal e se encarrega da missão de atravessar o espaço democrático em passo de ganso. A diferença entre a ameaça e a ação desce dos palanques, mas para fazer plantão à beira do riacho da fábula de La Fontaine.
Em dois mandatos - do mensalão detonado no primeiro mandato de Lula, à multiplicação da propina que, já no segundo, correu solta nas cercanias da Casa Civil - o ufanismo inflou o governo e subiu à cabeça do presidente Lula, mas se recusa a descer. O espírito do Conde de Afonso Celso baixou sobre o presidente e o liberou de todos os cuidados, dos gramaticais aos retóricos.
Os entendidos na variação do humor presidencial oferecem desconto de 50 por cento na dose de intolerância oficial com a liberdade de imprensa, e lembram que, para chegar a 2012 com os trunfos para se candidatar, o presidente Lula não comprometeria o patrimônio eleitoral que acumulou em intenções de votos. À democracia nem sempre basta parecer. À oposição competia utilizar sua farta capacidade ociosa e aplicar-se às funções que os eleitores lhe atribuíram.A verdade é que, se a oposição não tivesse sido tão displicente no exercício das suas responsabilidades, não haveria espaço para o que se vê e se ouve sobre matéria historicamente vencida.
Entrevista:O Estado inteligente
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