Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 25, 2010

ANTES QUE SEJA TARDE MAURO CHAVES

O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/09/10

Inebriados ou intimidados pelos altos índices de popularidade de um chefe de Estado e governo - decorrentes das circunstâncias conjunturais favoráveis, da continuidade da política econômica do governo (adversário) anterior, da habilidade de ampliar bons programas sociais herdados e, sobretudo, da extraordinária capacidade de comunicação com as camadas mais desinformadas da população -, setores da mídia, entidades da sociedade civil e lideranças oposicionistas, uns por excesso de cautela e outros em conluio com beneficiários (financeiros, sindicais, corporativos) do neopatrimonialismo vigente, deixaram que o presidente de uma nação democrática ultrapassasse todos os limites do desrespeito civil e da desmoralização institucional, confundindo os interesses de Estado com os de seu partido e grupo de aliados.

Na obsessão de manter o poder, titereando quem inventou para a sua sucessão, não obedecendo a limite algum, no desprezo ao mínimo de escrúpulo que se exige da majestade de seu cargo, tratando com deboche exigências legais e decisões da Justiça, o presidente da República passou a torpedear a imprensa por esta ter trazido a público os indícios mais veementes de um amplo esquema de corrupção, nepotismo, tráfico de influência e crimes correlatos no núcleo central de seu governo, sua Casa Civil, estruturada e conduzida por aquela que se tornou candidata ungida à sua sucessão. É verdade que não tem sido só agora, na campanha eleitoral, que o presidente e seus áulicos - a exemplo do que se faz na Venezuela, na Argentina e na Bolívia - tentam amordaçar a imprensa, com vários projetos e mecanismos de um chamado "controle social" dos veículos de comunicação. Agora, porém, o chefe de Estado e governo foi longe demais, ao pregar, entre outras aberrações antidemocráticas, a extirpação de um partido político oposicionista e a assunção exclusiva, por sua pessoa e seu grupo partidário, da função de "opinião pública", que, nas democracias, a imprensa transmite e representa.
Se se confirmarem as projeções segundo as quais as forças governistas sairão das eleições, daqui a uma semana, com esmagadora maioria em ambas as Casas Legislativas federais, não se duvide de que mudanças substanciais nas garantias constitucionais da liberdade de expressão e de imprensa serão produzidas com singelas alterações de texto em dispositivos da Carta Magna vigente. Vejamos, a seguir, as que já devem ter sido redigidas por assessorias jurídicas de parlamentares federais integrantes da "opinião pública" oficial.
O artigo 5.º, IV, da Constituição, onde está escrito que "é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato", ficará assim: "É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato das fontes."
O artigo 5.º, IX, onde está escrito que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", ficará assim: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, desde que fundamentada em informação correta e relevante interesse social."
O artigo 5.º, XIV, onde está escrito que "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional", ficará assim: "É assegurado a todos o acesso à informação correta e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional e indispensável à segurança comunitária."
O artigo 206, onde está escrito que "o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber", ficará assim: "O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, desde que estes não sejam incompatíveis com os ditames do interesse público e da justiça social."
O artigo 220, caput, onde está escrito que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição", ficará assim: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo legítimo ou veículo autorizado, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição." No parágrafo 1.º desse mesmo artigo, onde está que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social", estará que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade jornalística em qualquer veículo idôneo de comunicação social". E no parágrafo 2.º, onde está que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística", estará que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística, salvo se necessária ao impedimento de distorções interpretativas que possam influenciar eleitores em períodos eleitorais".
O bem redigido Manifesto em Defesa da Democracia, encabeçado por dom Paulo Evaristo Arns e subscrito por uma plêiade de intelectuais, juristas e acadêmicos de alta credibilidade pública, lido na simbólica tribuna em frente às Arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - a mesma em que há 33 anos Goffredo da Silva Telles lançou a Carta aos Brasileiros, marco da redemocratização do País -, é uma semente de resistência, cívica e apartidária, dos que não se submetem, por que vantagens sejam, à destruição dos valores que devemos repassar às futuras gerações - entre os quais está a noção de que "acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático". É preciso impedir que destrocem esses pilares, antes que seja tarde.

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