- 29/09/2010
O autocrata venezuelano Hugo Chávez havia definido a eleição legislativa do último domingo em seu país como um "plebiscito" sobre o seu governo e prólogo do pleito presidencial de 2012, quando disputará o quarto mandato desde 1998. Ele prometeu "massacrar" a oposição e "ganhar por nocaute". Não só não conseguiu nada disso, como sofreu um estrondoso revés político.
É verdade que a legenda chavista, o Partido Socialista Unificado de Venezuela (PSUV), obteve 98 das 165 cadeiras da Assembleia Nacional, ao passo que a oposição, a Mesa de Unidade Democrática (MUD) constituída por 18 partidos, ficou com 65. Mas esse resultado privou Chávez da maioria de 2/3 que lhe permitiria aprovar leis orgânicas e mudanças constitucionais - e, no limite, governar por decreto.
Era o que vinha fazendo com incontestada desenvoltura desde que a oposição cometeu o erro histórico de boicotar a eleição parlamentar de 2005, para não legitimar o que previa ser uma fraude. Sem adversários - e com um comparecimento às urnas de ridículos 25% -, o caudilho teve às suas ordens um Legislativo 100% chavista, reduzido a uma repartição do Palácio Miraflores, a sede do Executivo. Com o tempo, 10 deputados formaram uma dissidência que, evidentemente, não freou a descida da Venezuela para o regime liberticida do "socialismo do século 21".
Quando se deu conta de que não teria a mesma sorte no pleito seguinte, Chávez preparou uma cama de gato para os adversários. Fez aprovar uma nova demarcação dos distritos eleitorais - o sistema venezuelano é o distrital -, para aumentar a representação das áreas chavistas e vice-versa. Para se ter uma ideia, num Estado rarefeito, de maioria governista, passaram a bastar 20 mil votos para eleger um congressista, ante 400 mil num Estado populoso, simpático à oposição. A mudança nas regras do jogo não foi tudo.
O governo reteve o repasse de verbas para as regiões governadas por oposicionistas, transformou legiões de servidores públicos em cabos eleitorais, com abundante infraestrutura, e deu aos candidatos de seu partido praticamente o monopólio da propaganda nas emissoras estatais. Sem falar na multiplicação de sua presença nos comícios do PSUV, religiosamente reproduzida na TV chavista. Chega a ser uma proeza, portanto, o desempenho eleitoral da oposição, refletindo a erosão do prestígio de Chávez.
Com uma taxa de comparecimento de 67% - um indicador do ânimo mudancista do eleitorado em países, como a Venezuela, onde o voto é facultativo -, a frente de oposição obteve, segundo uma contagem extraoficial, 5,4 milhões dos votos válidos, cerca de 190 mil a mais do que a situação. A manipulação das regras eleitorais explica por que os 46% de votos populares pró-Chávez se transfiguraram em 59% das cadeiras na Assembleia e por que os 48% conquistados pela oposição nas urnas não lhe deram mais de 39% das vagas. Estima-se que apenas a remarcação dos distritos adicionou à bancada chavista 30 deputados.
Não há muito mistério no avanço oposicionista. O governo é um rematado desastre. Na contramão da América Latina, a Venezuela está há 15 meses em recessão. A inflação anual é da ordem de 30% e a acumulada nos 11 anos de chavismo chega a 733%, o desemprego é descomunal (cresceu 42% no último ano e meio) e a desigualdade voltou a se agravar. Faltam energia e alimentos. Sobram corrupção e incompetência: 130 mil toneladas de gêneros importados apodreceram nos portos do país. Por fim, a criminalidade atinge níveis aterrorizantes. A violência mata uma pessoa a cada meia hora.
O que não está claro é o que Chávez vai fazer de sua derrota política. Ele tem uma janela de oportunidade de 3 meses - a nova Assembleia só assumirá em janeiro - para se conter ou desembestar de vez, fazendo aprovar nesse período o que queira. Notadamente, a Lei das Comunas, unidades administrativas ditas autônomas, porém diretamente ligadas ao Executivo. Além da reorganização político-territorial do país, poderá surgir uma "assembleia comunal" para retirar poderes do Legislativo. "Chávez é hoje uma fera acuada", compara um observador estrangeiro em Caracas. "Nessas condições, é ainda mais imprevisível."
Entrevista:O Estado inteligente
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