O Globo
A Petrobras tem agora mais capital, evitou o rebaixamento de sua avaliação de risco, não precisará pegar empréstimos na Caixa para fechar o caixa. Pode tomar novos empréstimos externos, tem mais gás para investimentos. Mas está mais estatal e o processo mostrou problemas de governança.
O país fez um enorme esforço de poupança em favor da economia de alto carbono.
A capitalização da Petrobras deu certo e atingiu o nível que se queria de elevação do capital. Era meio difícil dar errado, já que se sabia que o governo compraria tudo que não fosse comprado pelos outros acionistas. Mas esse sucesso na Bolsa não elimina as incertezas. O grau de intervencionismo governamental nas decisões, durante todo o processo, foi alto demais para uma empresa de capital aberto com ações no mercado no Brasil e no exterior. Os ruídos provocados por isso ajudaram a derrubar as ações em um quarto do seu valor desde dezembro até a véspera da divulgação do valor do papel. Isso é R$ 100 bilhões; equivalentes a três empresas do valor da Gerdau, quatro Usiminas ou duas CSN e meia.
Os grandes investidores venderam no início das trapalhadas do governo para voltar agora. Venderam na alta, compraram na baixa e vão surfar a recuperação. O pequeno acionista ficou na empresa sofrendo a perda de valorização do seu ativo.
A gangorra poderia ser evitada, se houvesse mais clareza das regras, desde o início, e, principalmente, um processo de decisão mais transparente e mais sob o controle da própria companhia.
O petróleo continua sendo uma commodity cara e fundamental no mundo, mas a economia baseada no petróleo acabará antes que se esgotem as reservas na natureza. O mundo já começou um esforço em direção a outras fontes de energia e muito além das atuais energias alternativas.
Os próximos anos verão mudanças de paradigmas e superação de fronteiras tecnológicas para fontes de baixo carbono.
Por isso, a Petrobras tem que ter no seu horizonte mais do que petróleo. O esforço de poupança do país está sendo feito para alavancar uma empresa que aposta fundamentalmente em energia fóssil, e que quer ir mais fundo no mar atrás de mais energia fóssil.
O produto não pode ser desprezado, mas o horizonte da empresa tem que ir além da exploração no mar.
Agora mesmo, a Petrobras está, como outras empresas, sem poder fazer prospecção nas concessões que tem no Golfo do México, por causa da moratória da exploração de petróleo na plataforma marítima, decidida pelo governo americano.
Independentemente de a aposta na capitalização se revelar um bom negócio para o investidor, o futuro da companhia depende muito da sua capacidade de entender o mundo da energia de baixo carbono. O petróleo será taxado nos próximos anos. O que está em discussão é apenas a forma dessa tributação que pesará sobre o petróleo no mundo inteiro. As barreiras regulatórias para a exploração em águas ultraprofundas ficarão mais rigorosas.
O custo dos seguros, mais altos. O mundo da energia vai mudar radicalmente neste século. E a aposta do governo e da empresa é integralmente na energia do passado.
A empresa é grande, poderosa, agora está mais capitalizada, tem tecnologia respeitada internacionalmente e um eficiente quadro de funcionários. Mas a operação de ontem, mesmo sendo bem sucedida, não apaga as sombras que esse processo criou sobre ela e seu futuro. O fato de o presidente Lula e seus ministros terem usado a operação como parte da propaganda eleitoral, misturando os conceitos de empresa, pátria e governo, não deixa dúvida: estão certos os analistas que acham que o maior risco hoje da Petrobras é a interferência governamental.
Essa interferência assusta, porque pode representar desde a escolha de administradores por critérios políticos até investimentos sem justificativa econômica, como certos projetos de refinaria em lugares distantes do mercado consumidor.
A interferência estatal não fica maior, porque o governo abocanhou uma parte maior do capital. Ela já é excessiva. O problema é que a lógica política dificilmente coincide com a lógica corporativa.
Apesar do bater de bumbos, especialistas acham que o governo se frustrou um pouco com a capitalização, que dependeu majoritariamente do capital estatal: 60% do capital vieram do próprio governo e de seus vários agentes, como Fundo Soberano, BNDES e Caixa.
Há ainda dúvidas técnicas sobre o petróleo que fez parte da cessão onerosa.
Como quase não houve perfuração de poços para análise da capacidade de produção e da dimensão das reservas dos campos, de onde sairão supostamente os bilhões de barris, a própria existência desse petróleo nesse volume e nesse custo de produção é uma enorme incerteza.
A grande vantagem para a empresa é que ela agora poderá tomar recursos no exterior, porque seu endividamento sobre patrimônio caiu à metade com a capitalização. A Standard & Poor’s já avisou que manterá o grau de investimento para a companhia. Poderá, assim, financiar seus investimentos para crescer.
O minoritário que viu a ação despencar poderá ver a recuperação.
Os limites, vantagens, riscos, dimensões dessa operação só poderão ser bem entendidos quando baixar a espuma da propaganda eleitoral do governo. Hoje, o Brasil produz apenas um quarto do petróleo que os Estados Unidos produzem, mas quem ouvir a histeria da propaganda oficial pode concluir que o país é o maior produtor de petróleo da humanidade.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM VALÉRIA MANIERO
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