JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O presidente Lula tem um compromisso de capital importância a partir de 4 outubro ou, no caso de segundo turno, a partir de 1º de novembro: punir severamente os que erraram e restabelecer a credibilidade da máquina pública abalada pela segunda demissão em sete anos num dos nichos mais importantes do primeiro escalão da República: a Chefia da Casa Civil.
Tarefa sua: inalienável, indelegável, intransferível. E imediata. Quem o suceder no Palácio do Planalto precisará encontrar a casa em ordem, limpa, saneada, dedetizada. Quando a gente está na vida pública não tem o direito de errar e quando erra tem que pagar, afirmou o presidente na última quinta-feira.
Já no dia seguinte à lacônica e incisiva sentença, a Comissão de Ética da Presidência censurou a ex-ministra Erenice Guerra e na prática abriu um procedimento para investigá-la. Motivo: não atendeu às exigências de prestar esclarecimentos em seguida à posse no cargo sobre os seus bens, seus familiares e áreas geradoras de potenciais conflitos de interesse.
Se atendesse a esta exigência mínima de decoro funcional, teria poupado o governo de sofrer um constrangimento de consequências ainda imprevisíveis no seu momento mais glorioso.
O presidente Lula tem pela frente um desafio histórico e um prazo curtíssimo para vencê-lo. O futuro chefe da nação não poderá perder tempo com providências policiais ou legais. Sua atenção deverá estar concentrada na transição, nos programas e cronogramas dos próximos quatro anos.
O escândalo que arrastou Erenice Guerra tem complicadores e desdobramentos latentes de alta periculosidade. Imprevisíveis. Eventuais desatenções ou omissões poderão parecer leniência, complacência ou arrogância e custarão ao sucessor/sucessora irreparáveis desgastes e desperdícios de energia.
É confortável a situação econômica e financeira do País, mas a do mundo é altamente instável. Fidel Castro está preocupado com a iminência de um confronto nuclear no Oriente Médio. Barack Obama enfrenta a oposição histérica da ultra-direita empenhada apenas em soluções isolacionistas, intolerantes e desesperadas. O desastrado Bonaparte, Nicolas Sarkozy, parceiro estratégico do Brasil, conseguiu rachar a França e a Europa. A América Latina precisa de uma liderança, México e Venezuela estão ameaçadas de rupturas, a Argentina patina nas suas velhas milongas.
Como se não bastassem tantas e tão variadas emergências e demandas no plano externo, temos o insistente e clamoroso coro dos calendários, relógios e alarmes do País inteiro avisando em uníssono que os prazos para a Copa do Mundo de 2014 estão cada vez mais apertados. Não se trata de construir estádios mas de montar nos próximos três anos e meio uma moderníssima infra-estrutura que nos sete anteriores foi apenas esboçada.
O presidente Lula merece um descanso. Mas só depois de 1º de janeiro. Até lá precisa desativar as bombas de efeito retardado espalhadas pelo País inteiro e não apenas no Executivo federal. Algumas alianças regionais que o apoiaram estão literalmente putrefatas, insustentáveis. A chaga Sarney espalhada em dois Estados Maranhão e Amapá é a mais evidente, não a única.
A corrupção avolumou-se, tornou-se endêmica, profunda, consolidou uma extensa rede de ilícitos aparentemente insignificantes que começam com o nepotismo e desaguam em propinas, começam com a quebra do sigilo fiscal de adversários políticos e pode ganhar dimensões de crime organizado.
O presidente Lula merece descanso. Mas só depois de 1º de janeiro. Até lá precisa usar a sua incrível capacidade convocatória para chefiar uma empreitada moral praticamente intocada. Até lá tem a obrigação de enfrentar o único fantasma que realmente deveria atormentá-lo: legar uma herança maldita.
» Alberto Dines é jornalista