O Estado de S. Paulo - 24/09/2010 O ministro da Fazenda, Guido Mantega, dedicou um bom pedaço do seu tempo nesta semana para esclarecer pontos nebulosos sobre a futura atuação do Fundo Soberano do Brasil (FSB) no mercado de câmbio.
Respondeu a boa parte das dúvidas levantadas aqui na coluna de terça-feira (E no câmbio, quem manda?), mas deixou no ar alguns buracos negros e umas tantas contradições.
Em síntese, Mantega avisou que o FSB não atuará por conta própria, mas delegará as compras de moeda estrangeira ao Banco Central (BC) "para evitar conflitos". Nem o BC nem o FSB terão limites para adquirir dólares. Dessa maneira, dobra a capacidade de compra de moeda estrangeira pelo governo brasileiro. O Ministério da Fazenda não tem piso para a cotação do câmbio. "Não é gogó; eu falo e faço; basta lembrar o IOF", disse Mantega. E arrematou: "Agimos para coibir a excessiva valorização do real."
Esse punhado de palavras envolve umas tantas contradições. Se for evitado o conflito com o BC, então o FSB não poderá atuar para coibir a valorização do real. O BC compra dólares apenas para evitar a volatilidade e desmente veementemente que pretenda definir o que seja excesso de valorização do real.
O ministro está dizendo que não tem piso para o câmbio, mas, ao mesmo tempo, avisa que o FSB atuará para reverter a forte valorização da moeda brasileira. Ou haverá, sim, uma cotação abaixo da qual fique caracterizada a valorização excessiva a ser revertida ou a palavra do ministro fica incompreensível.
Afora isso, quando o FSB passar a comprar dólares no mercado, interferirá também na eventual volatilidade do câmbio. Ora, sem volatilidade a evitar, o BC não se sentirá na necessidade de atuar. Assim, operará em nome do FSB e poderá deixar de fazer leilões para cumprir a finalidade de sua política.
Além disso, é perfeitamente compreensível que o BC mantenha sua política, continue comprando dólares e, em seguida, entregue esses dólares para o FSB em vez de estocá-los nas reservas internacionais, como vem fazendo. Por outro lado, se, na condição de operador, cumprisse outros objetivos do FSB, o BC estaria mudando sua política.
Também não faz sentido afirmar que nem o BC nem o FSB terão limites para adquirir dólares e que, por isso, dobra a capacidade de compra do governo. O BC tem, sim, um teto determinado pela existência ou não da tal volatilidade. E, se o BC já atua sem limites na compra de dólares, não seria necessário mais um ilimitado agente, o FSB, para dar conta da tarefa de empurrar a cotação do dólar para onde o governo deseja. E, afinal, se o critério para a atuação do BC permanecer o mesmo, tanto faz o tamanho das disponibilidades de munição para suas operações.
Finalmente, se o ministro da Fazenda vai além do seu gogó, como garante, então a política de câmbio terá de passar a ser determinada por ele (ou também por ele) e não apenas pelo BC, como está definido.
O FSB está sendo engolfado por conflitos de interesses. Seus criadores não sabem se o usam como uma ferramenta anticíclica, se o transformam em instrumento de apoio para a empresa brasileira no exterior ou se o acionam para segurar a cotação do dólar. São finalidades só em parte compatíveis entre si. E só em parte compatíveis com a política de câmbio do Brasil comandada pelo BC. (Veja ainda o Confira.)
CONFIRA
Fator surpresa
Alguns técnicos do Ministério da Fazenda se queixam de que o Banco Central (BC) executa uma política de compra de moeda estrangeira tão previsível que acaba fazendo o jogo dos vendedores de dólares. Por isso, pedem mais fator surpresa.
Faz sentido?
Mas só faz sentido operar de maneira imprevisível se o objetivo for defender determinado piso para a cotação do real. Enquanto a política for apenas evitar o excesso de volatilidade, a previsibilidade é desejável.
Exemplo do Japão
A questão de fundo é se a atual política está ou não correta e se não será preciso trabalhar para reverter o excesso de valorização do real. Se a resposta for sim, então será preciso reformular a política e montar mecanismos adequados para executá-la, como acaba de fazer o governo do Japão, que passou a atuar com forte dose de imprevisibilidade. Não se sabe nem quando o governo de Tóquio passará a comprar dólares nem qual a cotação desejada.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, dedicou um bom pedaço do seu tempo nesta semana para esclarecer pontos nebulosos sobre a futura atuação do Fundo Soberano do Brasil (FSB) no mercado de câmbio.
Respondeu a boa parte das dúvidas levantadas aqui na coluna de terça-feira (E no câmbio, quem manda?), mas deixou no ar alguns buracos negros e umas tantas contradições.
Em síntese, Mantega avisou que o FSB não atuará por conta própria, mas delegará as compras de moeda estrangeira ao Banco Central (BC) "para evitar conflitos". Nem o BC nem o FSB terão limites para adquirir dólares. Dessa maneira, dobra a capacidade de compra de moeda estrangeira pelo governo brasileiro. O Ministério da Fazenda não tem piso para a cotação do câmbio. "Não é gogó; eu falo e faço; basta lembrar o IOF", disse Mantega. E arrematou: "Agimos para coibir a excessiva valorização do real."
Esse punhado de palavras envolve umas tantas contradições. Se for evitado o conflito com o BC, então o FSB não poderá atuar para coibir a valorização do real. O BC compra dólares apenas para evitar a volatilidade e desmente veementemente que pretenda definir o que seja excesso de valorização do real.
O ministro está dizendo que não tem piso para o câmbio, mas, ao mesmo tempo, avisa que o FSB atuará para reverter a forte valorização da moeda brasileira. Ou haverá, sim, uma cotação abaixo da qual fique caracterizada a valorização excessiva a ser revertida ou a palavra do ministro fica incompreensível.
Afora isso, quando o FSB passar a comprar dólares no mercado, interferirá também na eventual volatilidade do câmbio. Ora, sem volatilidade a evitar, o BC não se sentirá na necessidade de atuar. Assim, operará em nome do FSB e poderá deixar de fazer leilões para cumprir a finalidade de sua política.
Além disso, é perfeitamente compreensível que o BC mantenha sua política, continue comprando dólares e, em seguida, entregue esses dólares para o FSB em vez de estocá-los nas reservas internacionais, como vem fazendo. Por outro lado, se, na condição de operador, cumprisse outros objetivos do FSB, o BC estaria mudando sua política.
Também não faz sentido afirmar que nem o BC nem o FSB terão limites para adquirir dólares e que, por isso, dobra a capacidade de compra do governo. O BC tem, sim, um teto determinado pela existência ou não da tal volatilidade. E, se o BC já atua sem limites na compra de dólares, não seria necessário mais um ilimitado agente, o FSB, para dar conta da tarefa de empurrar a cotação do dólar para onde o governo deseja. E, afinal, se o critério para a atuação do BC permanecer o mesmo, tanto faz o tamanho das disponibilidades de munição para suas operações.
Finalmente, se o ministro da Fazenda vai além do seu gogó, como garante, então a política de câmbio terá de passar a ser determinada por ele (ou também por ele) e não apenas pelo BC, como está definido.
O FSB está sendo engolfado por conflitos de interesses. Seus criadores não sabem se o usam como uma ferramenta anticíclica, se o transformam em instrumento de apoio para a empresa brasileira no exterior ou se o acionam para segurar a cotação do dólar. São finalidades só em parte compatíveis entre si. E só em parte compatíveis com a política de câmbio do Brasil comandada pelo BC. (Veja ainda o Confira.)
CONFIRA
Fator surpresa
Alguns técnicos do Ministério da Fazenda se queixam de que o Banco Central (BC) executa uma política de compra de moeda estrangeira tão previsível que acaba fazendo o jogo dos vendedores de dólares. Por isso, pedem mais fator surpresa.
Faz sentido?
Mas só faz sentido operar de maneira imprevisível se o objetivo for defender determinado piso para a cotação do real. Enquanto a política for apenas evitar o excesso de volatilidade, a previsibilidade é desejável.
Exemplo do Japão
A questão de fundo é se a atual política está ou não correta e se não será preciso trabalhar para reverter o excesso de valorização do real. Se a resposta for sim, então será preciso reformular a política e montar mecanismos adequados para executá-la, como acaba de fazer o governo do Japão, que passou a atuar com forte dose de imprevisibilidade. Não se sabe nem quando o governo de Tóquio passará a comprar dólares nem qual a cotação desejada.