O Estado de S.Paulo - 29/09/10
Causa perplexidade geral ter a chefe da Casa Civil da Presidência da República sido demitida na reta final da campanha eleitoral sem que isso haja produzido a consequência natural de um escândalo dessas proporções na popularidade do presidente, que a nomeou, nem feito cair do topo da preferência eleitoral sua candidata, que a patrocinou. A falta de proporção de causa e efeito em episódio dessa relevância não se deve apenas à credulidade popular, capaz de aceitar que Lula não assuma a responsabilidade dos atos de sua principal assessora e que Dilma Rousseff se exima de culpa pela ascensão de uma funcionária incapaz de subir na vida por méritos próprios, que ninguém imagina quais possam ser.
É o caso de buscar outras razões para a baixa interferência na preferência do eleitor de notícias de recebimento de propinas ("taxas de sucesso") pelo filho de Erenice Guerra em gabinete a poucos metros do de Dilma, no Palácio do Planalto, onde o chefão dá expediente. Será o caso de admitir que o pleito de 2010 esteja decidido há muito tempo e que será quase impossível mudar tais desígnios? Afinal, a gravidade das acusações que emergiram contra o clã Guerra, que não teriam como não macular a imagem da favorita, supera, com larga vantagem, a das que derrubaram Richard Nixon nos Estados Unidos e Fernando Collor no Brasil e levaram à prisão José Roberto Arruda, que ainda provocou o naufrágio de seu partido, o DEM, da aliança de oposição.
Se assim for, isso se deverá à percepção de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a realidade social e o panorama eleitoral no Brasil real, que domina. Ele mesmo foi a primeira vítima de uma avalanche que, em 1989, se identificou nos dois eles de Collor em verde e amarelo e inverteu as ancestrais relações de hierarquia da política nacional, ao promover aquilo que o último coronel mineiro, Chichico Cambraia, definiu como "estouro da boiada": ao votar no "caçador de marajás", o rebanho pulou cerca e porteira do curral e, para não perdê-lo de vista, os "pastores" saíram correndo atrás. Nesta e em mais duas eleições seguidas perdidas depois, Lula aprendeu que é quase impossível ser eleito presidente da República brasileira sem alianças de peso. E, se extraordinariamente isso ocorrer, nunca será possível governar sem a adesão de grupos poderosos que mandam desde antanho e para sempre nos hoje repovoados currais de votos. Prova-o a defenestração de um dos raros que realizaram a proeza: Collor tentou presidir sem o Congresso, que logo reagiu depondo-o.
Tendo participado da derrubada do adversário que o derrotara, o presidente foi aprendendo ao longo dos anos que ganhar e governar um país deste tamanho exige partilha do butim. Tentou, antes, sem sair da própria esquerda, ao atrair Leonel Brizola para sua chapa, mas deu com os burros n"água. Aceitou, em 2002, por sugestão de José Dirceu, aliar-se a gatos gulosos do PMDB que traíram Serra, cuja vice, Rita Camata, era do partido. Depois, em nome da "governabilidade", loteou o governo para não ser mais um a ganhar e não levar. Como o Fausto da lenda, vendeu a alma aos diabos que antes exorcizava e se deu muito bem. Foi aí que aprendeu a vencer a disputa eleitoral de baixo para cima: abrigou no ninho do poder lideranças locais, prefeitos municipais, deputados estaduais e federais, senadores e governadores. Aí, quando resolveu lançar o "poste" Dilma por achar mais fácil manipulá-la do que se desgastar na luta pelo terceiro mandato, já tinha as bases todas sob controle.
Muita gente boa percebeu a jogada genial do uso eleitoral da Bolsa-Família. Mas nem todos enxergaram o simultâneo fechamento de cofres que irrigam as campanhas políticas com os recursos necessários, favorecendo de banqueiros a empreiteiros de obras públicas, que passaram a ter nele o novo Messias. E ninguém observou que ele tirou do caminho para o palanque adversários que incomodavam. Foram os casos de Cássio Cunha Lima, o tucano da Paraíba, e Jackson Lago, o pedetista do Maranhão, que perderam seu mandato, condenados por crime similar ao de que foi acusado o petista Marcelo Déda, governador de Sergipe, que, no poder, é favorito na disputa por sua sucessão.
Ao contrário de Lula, seu principal adversário, José Serra, não deu sinais de ter aprendido as lições da derrota de 2002. Ao se negar a disputar a indicação em prévias, como pretendia o ex-governador mineiro Aécio Neves, deu-lhe a justificativa de que este precisava para ficar fora da ingrata rinha presidencial. A não insistir com o partido e o próprio Aécio para formar chapa com este, deu outra mostra de que pretendia alcançar o inalcançável: ganhar a disputa pela Presidência sem dever favores. Ao manter fora da campanha um tucano que vencera duas vezes a eleição federal sem disputar segundo turno, Fernando Henrique, emitiu, a quem fosse capaz de entender, o sinal de que não se dispunha a buscar ajuda nem mesmo do próprio passado, e o renegou.
Dilma, cujo currículo desautorizava a aventura de disputar contra um político bafejado pela vitória nas urnas nos maiores município e Estado do País, contou com a ajuda esperada, embora absurda, do adversário. Onze entre dez interlocutores alertaram Serra de que a chave para sua vitória seria manter o presidente popular fora da campanha. Mas ele expôs o retrato de Lula em seu primeiro programa de propaganda na TV e apelidou-se de Zé chamando-o de Silva (de quem terá sido a ideia tola?) no primeiro jingle para rádio. Fez ainda aos adversários o favor de deixar que o atrapalhado presidente nacional de seu partido, Sérgio Guerra (PE), pedisse a impugnação da adversária porque a Receita havia quebrado o sigilo fiscal da filha Verônica.
A possibilidade, aventada pelo Datafolha, do segundo turno pode abalar a empáfia palaciana, mas em nada alterará os fundamentos das evidências citadas. A experiência de 2006 deve ter ensinado aos tucanos que provocar o segundo turno é uma coisa. Mas vencê-lo é outra!
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
setembro
(283)
- Lulambança CARLOS ALBERTO SARDENBERG
- No foco, o câmbio Celso Ming
- De Pomona a Marte Demétrio Magnoli
- O último debate Miriam Leitão
- Do alto do salto Dora Kramer
- Diferenças e tendências Merval Pereira
- De Severino a Tiririca DORA KRAMER
- Mudança de vento Merval Pereira
- O tom do recado Míriam Leitão
- Marolinha vermelha Marco Antonio Villa
- Últimas semanas:: Wilson Figueiredo
- A via sindical para o poder Leôncio Martins Rodrigues
- Por que os escândalos não tiram Dilma do topo José...
- Mais controle de capitais Celso Ming
- A derrota de Chávez EDITORIAL O Estado de S. Paulo
- O papel do STF Luiz Garcia
- O Brasil em primeiro lugar Rubens Barbosa
- Guerra cambial Celso Ming
- O corte inglês Miriam Leitão
- Os mundos e fundos do BNDES Vinicius Torres Freire
- As boquinhas fechadas Arnaldo Jabor
- Sinais de fumaça e planos para segunda-feira:: Ray...
- Faroeste :: Eliane Cantanhêde
- Mais indecisos e "marola verde" :: Fernando de Bar...
- Em marcha à ré :: Dora Kramer
- Marina contra Dilma:: Merval Pereira
- Fabricando fantasmas Paulo Guedes
- Qual oposição? DENIS LERRER ROSENFIELD
- Capitalização e política O Estado de S. Paulo Edit...
- O eleitorado traído Autor(es): Carlos Alberto Sard...
- Como foi mesmo esse maior negócio do mundo? Marco...
- Mary Zaidan - caras-de-pau
- OS SEGREDOS DO LOBISTA DIEGO ESCOSTEGUY E RODRIGO ...
- E agora, Petrobrás? -Celso Ming
- Alerta contra a anestesia crítica:: Carlos Guilher...
- Em passo de ganso e à margem da lei :: Wilson Figu...
- Às vésperas do pleito:: Ferreira Gullar
- A Previdência e os candidatos Suely Caldas
- Todo poder tem limite EDITORIAL FOLHA DE SÃO PAULO
- Forças e fraquezas Miriam Leitão
- Metamorfoses Merval Pereira
- A CONSPIRAÇÃO DA IMPRENSA João Ubaldo Ribeiro
- A posse das coisas DANUZA LEÃO
- A semente da resistência REVISTA VEJA
- LYA LUFT Liberdade e honra
- O gosto da surpresa BETTY MILAN
- Dora Kramer - Lógica de palanque
- Gaudêncio Torquato -O voto, dever ou direito?
- Que esquerda é esta? Luiz Sérgio Henriques
- O mal a evitar-Editorial O Estado de S Paulo
- MARIANO GRONDONA Urge descifrar el insólito ADN de...
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ El último recurso de los Kirc...
- A musculatura do PT Ruy Fabiano
- Miriam Leitão Vantagens e limites
- Merval Pereira: "Lula poderá ser um poder paralelo''
- A política em estado de sofrimento :: Marco Auréli...
- ANTES QUE SEJA TARDE MAURO CHAVES
- A imprensa no pós-Lula EDITORIAL O ESTADO DE SÃO P...
- Limites Merval Pereira
- Os segredos do lobista-VEJA
- A concentração anormal-Maria Helena Rubinato
- Sandro Vaia - O juiz da imprensa
- Contas vermelhas Miriam Leitão
- Porões e salões :: Luiz Garcia
- FÁBULA DA FEIJOADA FERNANDO DE BARROS E SILVA
- Margem de incerteza EDITORIAL FOLHA DE SÃO PAULO
- Razões Merval Pereira
- E o câmbio continua matando! Luiz Aubert Neto
- Um passo além do peleguismo O Estado de S. Paulo E...
- As dúvidas acerca do uso do FSB se acumulam- O Est...
- Anatomia de um aparelho lulopetista Editorial O Globo
- Lógica de palanque- Dora Kramer
- Inconsistências no câmbio - Celso Ming
- O resultado da capitalização da Petrobrás : Adrian...
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG A falta que nos faz o li...
- Liberdade até para os estúpidos-Ronald de Carvalho
- MÍRIAM LEITÃO Câmbio errado
- O efeito Erenice :: Eliane Cantanhêde
- Tempos petistas:Merval Pereira
- O sucesso do modelo da telefonia O Globo Editorial
- O desmanche da democracia O Estado de S. Paulo Edi...
- Ato insensato - Dora Kramer
- Afrouxar ou não afrouxar- Celso Ming
- A decadência dos EUA - Alberto Tamer
- A cara do cara:: Marco Antonio Villa
- Entrevista:: Fernando Henrique Cardoso.
- Peso da corrupção Miriam Leitão
- Uma eleição sem regras ROBERTO DaMATTA
- Perdendo as estribeiras Zuenir Ventura
- FERNANDO DE BARROS E SILVA A boa palavra de FHC
- MERVAL PEREIRA Prenúncios
- O Fundo Soberano e o dólar O Estado de S. Paulo Ed...
- As contas externas serão o maior problema em 2011 ...
- E no câmbio, quem manda?- Celso Ming
- Autocombustão - Dora Kramer
- Traços em relevo Miriam Leitão
- MERVAL PEREIRA A democracia de Lula
- A ELITE QUE LULA NÃO SUPORTA EDITORIAL O ESTADO DE...
- ELIANE CANTANHÊDE Paulada na imprensa
- ARNALDO JABOR Lula é um fenômeno religioso
-
▼
setembro
(283)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA