Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 30, 2010

No foco, o câmbio Celso Ming

O Estado de S.Paulo - 30/09/2010

Em quase oito anos de mandato na presidência do Banco Central, é a primeira vez que Henrique Meirelles admite que há um problema grave no câmbio que não seja apenas volatilidade.
Nem precisou ser mais explícito. Meirelles está admitindo a existência de uma excessiva valorização do real que precisa ser revertida, numa situação em que alguns países, como Estados Unidos e Japão, estão manobrando para desvalorizar suas moedas. Por isso é que Meirelles passou a falar em um aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), hoje de 2%, na entrada de capitais.
Até agora, Meirelles vinha batendo no seu tambor que, num regime de câmbio flutuante, a intervenção do Banco Central se limitava a impedir esses trancos episódicos; que o Banco Central não tem nem piso nem teto para cotação e muito menos meta cambial.
A partir do momento em que admite que o setor produtivo brasileiro vai perdendo competitividade e que é preciso mais intervenção no câmbio (desta vez por meio da elevação do IOF), terá também de aceitar a existência de um piso, ainda que móvel, que servirá de referência não só para definir o que seja valorização excessiva, mas também para construir mecanismos de defesa do real contra a ação dos predadores.


Parece improvável que apenas apelos aos senhores do mundo no âmbito do Grupo dos 20 (G-20) mais aumento de dose do IOF na entrada de capitais que aqui desembarquem para ganhar com especulação com juros sejam providências suficientes para reverter "o problema" a que Meirelles esteja se referindo.

Na coluna de ontem ficou dito que a especulação com a diferença entre juros internos e externos (arbitragem) não se faz somente com entrada de capitais. Faz-se também com capitais que deixam de sair. Talvez seja preciso mostrar melhor como isso acontece.

Qualquer importador, por exemplo, pode deixar de remeter dólares ao exterior para pagar seu fornecedor. Poderá, por exemplo, levantar um financiamento lá fora a juros camaradas (operação relativamente comum quando se trata de dar cobertura a exportações), usá-lo para saldar seus compromissos com o fornecedor e, enquanto isso, aplicar os reais do seu caixa no mercado financeiro interno e tirar proveito da diferença entre os juros.

Ou seja, nesse caso, a procura de dólares também será menor e contribuirá para a derrubada das cotações no câmbio, com efeito semelhante ao provocado pela entrada de capitais. Só que o IOF não incide sobre a falta de saída de moeda estrangeira. Daí a limitação do uso desse mecanismo de controle.

Afora isso, também o cacife enorme em reservas internacionais do Brasil contribui para trazer mais dólares e, consequentemente, para valorizar o real, porque solidifica a percepção de que a economia brasileira está blindada contra crises.

Assim, novo aumento do IOF deverá produzir efeitos limitados na sua função de evitar a valorização do real. Para que o País possa ter maior capacidade de intervenção no câmbio e reduzir substancialmente a especulação com juros não há saída senão melhorar as finanças públicas. No dia em que as autoridades proclamarem, de maneira crível e consistente, que em três ou quatro anos será obtido o déficit nominal zero das contas públicas, os juros despencarão quase espontaneamente e a especulação com juros será fortemente desestimulada.

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