FOLHA DE S. PAULO
Se algo ficou claro em 2009, foi que o ideal de uma efetiva governança mundial está tão longe quanto sempre esteve
Iniciado sob o signo da esperança da eleição de Obama, o ano termina com a realidade impondo de novo seus limites. O desemprego custa a baixar, apesar dos bilhões de dólares de estímulo; cada senador norte-americano exerce poder de veto para aprovar uma reforma modestíssima no sistema de saúde; o terrorismo e a guerra devoram vidas e fortunas no Afeganistão e no Paquistão; o conflito israelense-palestino se afunda no desespero; em Copenhague, diante de ameaça à civilização e à própria vida, políticos e diplomatas confirmam sua incurável mediocridade moral e humana.
Se algo ficou claro no ano de 2009, foi que o ideal de uma efetiva governança mundial está tão longe quanto sempre esteve. O fiasco de Copenhague é apenas o mais grave de uma longa série: a impossibilidade de um acordo de regulação financeira para evitar a próxima crise, a persistente incapacidade de concluir a Rodada Doha de negociações comerciais, o fracasso das tentativas de solução dos conflitos do Oriente Médio. Se a ONU (Organização das Nações Unidas) emerge da conferência sobre o clima mais arranhada do que antes, o G20 e o G2, candidatos a substituí-la, não se saíram muito melhor.
Outra coisa que se tornou clara é que, contrariando a expectativa geral, Obama se revelou um presidente voltado essencialmente para temas domésticos. Seu apetite para liderar a reforma da governança global é, na melhor das hipóteses, intermitente e mais retórico do que real. Será em parte porque a crise não lhe deixa outra escolha. Ou por estar consciente de que a retomada da liderança norte-americana passa pela reconstrução de suas bases internas: economia, coesão social, qualidade da educação, saúde, pesquisa científica, autonomia energética. No fundo, não age muito diferente da China, empenhada em cuidar da própria casa.
Nesse vácuo, os problemas mundiais evoluem com lentidão exasperadora, os insignificantes como Honduras, os graves como o comércio, até os gravíssimos como o aquecimento global.
Mesmo em assunto estratégico de interesse de segurança dos Estados Unidos, como a nuclearização do Irã, Washington estaria inclinada a "terceirizar" a solução, isto é, a transferir, de modo tácito ou explícito, a um ataque israelense a responsabilidade de romper o impasse.
A decepção com Obama nasce, sobretudo, da tendência a desaprender que a inércia caracteriza a realidade social. Fora instantes raros em que onda irresistível varre a história, os problemas maiores só avançam em meio a retrocessos e a resistências. O fim do comunismo e da Guerra Fria, os Cem Dias de Roosevelt constituem exceções. O importante é que o sentido geral do processo seja positivo. É o que se vê na reforma da saúde, na recuperação gradual da economia, no desengajamento do Afeganistão com data marcada.
Até no clima, o que conta é que China e Estados Unidos não negam mais a ameaça, apesar de que precisam avançar muito para chegar a um ponto satisfatório. Aliás, exceto nas questões iraniana e israelense-palestina, as mudanças de 2009 encaminharam os desafios principais na direção certa. Os problemas deixaram de piorar como na era Bush e começam a mudar para melhor, embora pouco e devagar. Devia-se mudar o hábito verbal de dizer que se cai na real, como se fosse uma armadilha. À verdade só se pode subir, pois ela é que nos liberta de sonhos entorpecedores, dando-nos a lucidez e a coragem para ver e resolver os problemas.
Entrevista:O Estado inteligente
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