O Globo
DAVOS. O palco está montado aqui em Davos para uma demonstração de que o capitalismo se preocupa com o lado social do desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que se espera um retorno dos representantes de grandes bancos mundiais para a 40areunião do Fórum Econômico Mundial, de onde estiveram ausentes na reunião de 2009 devido à crise que estourou no final do ano anterior, o ambiente será propício a uma condenação maciça das ambições gananciosas desses mesmos banqueiros. Um palco perfeito para a dupla Lula-Sarkozy marcar presença, pedindo uma reorganização do sistema econômico internacional.
É interessante notar que os principais dirigentes mundiais andam tentando se reconectar com seu eleitorado, especialmente a classe média mais atingida pela crise econômica.
Tanto o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, quanto o presidente francês, Nicolas Sarkozy, andaram fazendo movimentos semelhantes, nos últimos dias, nesse sentido.
Obama, em queda vertiginosa de popularidade ao final de seu primeiro ano de governo, tomou várias decisões para tentar amainar os impactos da crise na classe média, direcionadas especialmente àqueles que estão desempregados.
E atacou os bônus milionários dos banqueiros. Sua equipe econômica estará representada aqui em Davos por Larry Summers, autor intelectual de um programa de reforma do sistema financeiro que ainda não saiu do papel, mas que Obama está retomando como sinalização de que sua administração se preocupa mais com os cidadãos do que com o mercado financeiro.
Retomando um sistema que deu certo na campanha eleitoral, Obama também anunciou que responderá diretamente àqueles que enviarem perguntas através dos diversos novos meios de comunicação, as chamadas "redes sociais", como Facebook e Twitter.
Também o presidente francês anda recorrendo a esses modernos meios de comunicação para recuperar sua imagem diante do eleitorado, respondendo no Facebook.
Na segunda-feira, ele se submeteu a uma entrevista coletiva com diversos representantes da sociedade francesa, escolhidos pela televisão TF1, preponderantemente de classe média.
O interessante, para nós no Brasil que acompanhamos a antecipação da campanha eleitoral, é que o momento da entrevista foi escolhido a dedo, uma semana antes da definição do tempo de televisão pelo tribunal eleitoral francês, que vai restringir o acesso à televisão dos políticos, tanto do governo quanto da oposição, para a campanha das eleições regionais de março.
Também Obama está tentando recuperar o terreno para a campanha eleitoral de metade do mandato, quando serão renovados a Câmara e o Senado. Diante da tendência de que os democratas sofram uma derrota, indicada pela eleição de um senador republicano para a vaga de Ted Kennedy, o presidente dos Estados Unidos tenta uma retomada de contato com o eleitorado que o elegeu apenas um ano atrás e agora se mostra desiludido diante dos efeitos da crise econômica.
O próprio Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial há 40 anos, já deixou claro que não há o que comemorar nesta reunião, e o mote do encontro, "repensar, recriar, reconstruir" o mundo depois da crise, mostra que os "senhores do Universo" ainda não encontraram o caminho de volta aos tempos de bonança do capitalismo.
Os bônus dos banqueiros, alvo de medidas do governo americano classificadas de populismo econômico pelos seus críticos, também são demonizados por Schwab, que disse em uma coletiva que o mercado financeiro não deveria ser movido a estímulos como esses.
Justamente num momento assim, o mundo se vê envolvido com a tragédia do Haiti, que acabou tomando parte da agenda do Fórum Econômico este ano. Um painel coordenado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton vai discutir a reconstrução do país, enquanto uma campanha de doações está sendo desencadeada pela direção do Fórum.
É neste ambiente, em que se misturam sentimentos de desânimo e de culpa, que o presidente Lula receberá em Davos o título de Estadista Global, dado pela primeira vez pelo Fórum Econômico Mundial.
Detentor de uma admirável taxa de popularidade, o presidente Lula volta a ser o sonho de consumo dos dirigentes mundiais às voltas com uma queda de prestígio entre o eleitorado devido à crise econômica.
Embora longe de ser a "marolinha" que Lula previu, a economia brasileira reagiu à crise melhor que a maioria das economias ocidentais, perdendo apenas para as da Índia e da China.
Mas Lula também anda atrás da classe média brasileira que, se está satisfeita com os resultados econômicos, especialmente a nova classe média emergente, tem ressalvas quanto a aspectos esquerdistas de seu governo.
Aqui em Davos, ele vai encontrar uma plateia de "louros de olhos azuis" cheia de culpa, ávida por ouvir suas críticas ao sistema financeiro internacional, seus apelos por uma retomada da Rodada de Doha para que o comércio internacional seja mais justo, e por seu chamamento à reconstrução do Haiti, onde o Brasil trava uma disputa surda e impensável anos atrás com os Estados Unidos.
Não foi à toa sua escolha para o primeiro premiado com o título de Estadista Global. Desde que, em 2001, o PT e seus companheiros de esquerda latino-americana inventaram o Fórum Social Mundial para se contrapor ao Fórum Econômico, que os homens de Davos tentam mostrar a face social do capitalismo.
Lula tentou unir os dois fóruns anos atrás, mas não foi seguido pela esquerda latino-americana. Davos agora, especialmente depois da crise internacional, tenta amenizar a face do capitalismo trazendo para si o mais emblemático dos líderes da esquerda mundial.
E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br