Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 17, 2010

A estratégia da capoeira

Editorial de O Rstado de S Paulo

O eleitorado terá de esperar o curso da sucessão para saber em qual Lula acreditar: naquele que previu que a oposição, por falta de programa, dará "chutes do peito para cima" e receberá o troco literalmente à altura, ou naquele que, um dia depois, fez chegar ao PSDB a promessa de fazer tudo para manter a campanha em nível compatível com o dos prováveis candidatos à sua cadeira. Afinal, como teria dito ao governador mineiro e ex-presidenciável Aécio Neves, "seja com Dilma, seja com Serra, o País estará bem". O problema é que, a julgar pelo retrospecto, parece haver mais coerência e autenticidade na ameaça do que no recuo e na exibição de fair play. Lula pode ter dado o dito pelo não dito ao se dar conta de que tinha se excedido, deixando à mostra prematuramente a arma da intimidação que não hesitará em sacar, conforme as circunstâncias, na busca da vitória a qualquer custo.

Mais uma vez ele terá se deixado levar pelo som da própria voz ao avisar que este ano o Lulinha paz e amor de 2006 será substituído por um Lula que nunca antes se apresentou aos brasileiros - o Lula capoeirista. Mas ele não tirou isso do nada. A intenção é tão real como a sua verborragia. E, se de algo fez praça de se arrepender, foi desta, não daquela. A ocasião, por sinal, ajuda a entender a falação. No seu primeiro mal disfarçado comício da temporada, na quarta-feira, a pretexto da liberação de R$ 3 bilhões para o programa Minha Casa, Minha Vida, destinados a municípios com menos de 50 mil habitantes, ele reuniu em torno da ministra Dilma Rousseff cerca de mil prefeitos, nove governadores, ministros e parlamentares. Com o costumeiro despudor em criar palanques com os recursos de poder da sua condição de chefe de governo, tornou a trazer a eleição para dentro da administração. 

No ano passado, em outro evento caça-votos, a "vistoria" às obras de transposição das águas do São Francisco, Lula definiu a disputa pelo Planalto como um confronto entre "nós e eles, pão-pão, queijo-queijo" - senha para a companheirada preparar um pogrom político contra a oposição, a ser desqualificada como inimiga do povo no bojo de uma comparação caricatural entre o seu governo e o do antecessor Fernando Henrique. Desta vez, foi além. Recorrendo a um truque que remete à fábula do lobo e do cordeiro - o de atribuir a alguém uma conduta hostil que justifique o revide planejado de antemão -, Lula se fez de inocente: "Como meus adversários são mais letrados do que eu, esperava um discurso de alto nível, programático. Mas como eles não têm programa, vão dar chutes do peito para cima." Para arrematar: "O que eles não sabem é que eu sou capoeirista e, portanto, estou muito preparado para a coisa chegar no meu peito." 

Em suma, Lula anunciou que vai fazer o que diz que a oposição fará. A truculência anunciada tem lógica. Gira em torno da questão primeira da sucessão: a aptidão de Lula para eleger Dilma. Quanto mais incerta for a transposição da popularidade do presidente para a candidata de quem até bem pouco tempo expressiva maioria do eleitorado não tinha ouvido falar e cujos vínculos com Lula permanecem obscuros para tantos, mais necessário será radicalizar a disputa. De um lado, Dilma será exibida como a grande responsável por tudo aquilo que o povo acha que Lula fez de bom, e a garantia viva de que mais do mesmo está por vir. De outro lado se apregoará que a eleição do seu contendor representará um inaceitável retrocesso - "prova" disso, as baixarias que se atribuírem à oposição, como bem Lula antecipou e não deixará sem resposta.

O governo provavelmente dependeria menos da exacerbação do confronto caso Dilma tivesse uma fração que fosse do carisma de seu patrono e de sua formidável capacidade de comunicação com a massa. Ou seja, se demonstrasse ter voo eleitoral próprio para um desafio a essa altitude. Quando esses atributos existem de nascença, os marqueteiros podem ressaltá-los, orientando o candidato a empregá-los da forma mais conveniente conforme as circunstâncias. O Lulinha paz e amor foi isso. Mas está para nascer o marqueteiro capaz de infundir tais qualidades em um candidato que não apenas não as tem, como ainda delas guarda enorme distância, por temperamento, formação e trajetória. À falta disso, fica difícil imaginar por que Lula não apelará para a estratégia da capoeira.




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