Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 23, 2010

A Senhora do Jogo, de Sidney Sheldon, supostamente

Vivos para sempre

A Senhora do Jogo, novo romance de Sidney Sheldon, foi escrito,
na verdade, por uma autora bem menos conhecida, Tilly Bagshawe.
É um expediente da indústria editorial para manter viva a marca
de autores de sucesso que já morreram


Jerônimo Teixeira

Joe Tabacca
MESTRE DO JOGO
Sidney Sheldon: morto em 2007, ele vendeu 300 milhões de livros estrelados por mulheres sofridas e fortes


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Quando lançou seu primeiro romance,Adorada, em 2005, a inglesa Tilly Bagshawe mandou um exemplar para o americano Sidney Sheldon. O escritor veterano, autor de best-sellers como O Outro Lado da Meia-Noite,respondeu com uma carta elogiosa. Dois anos depois, Sheldon morreu, aos 89 anos, de pneumonia. Traduzido para 51 idiomas, vendera impressionantes 300 milhões de livros no mundo todo. Tilly, que não teve a chance de conhecê-lo pessoal-mente, foi escolhida pelas herdeiras – a viúva e uma filha – para "continuar o legado" (expressão dela) de Sheldon. Sequência de O Reverso da Medalha, o romance A Senhora do Jogo (tradução de Michele Gerhardt; Record; 464 páginas; 39,90 reais) traz o nome "Sidney Sheldon" em letras berrantes na capa. Mas quem realmente escreveu o livro – 15º lugar na lista estendida de mais vendidos de VEJA nesta semana – foi Tilly, cujo nome aparece em tipografia discreta. "Sidney Sheldon é meu ídolo desde a adolescência. Foi uma grande responsabilidade ter meu nome associado a uma marca tão forte", diz a escritora, de sua casa em Londres, em entrevista por telefone a VEJA. Sim, ela usou a palavra "marca". Um autor de best-sellers consagra-se fixando seu nome como uma marca comercial. Herdeiros e editores de escritores de sucesso encontraram, nos últimos anos, um meio de manter esse nome forte no mercado: contratam escritores para continuar a obra do morto (veja exemplos no quadro).

Divulgação
FÃ E HERDEIRA
Tilly Bagshawe: fiel
ao espírito melodramático
de Sheldon

Nessa indústria póstuma, a marca às vezes não é tanto um escritor ou um livro, mas um personagem memorável. O exemplo ancestral é o Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle, licenciado para os mais diversos usos – em livros, no cinema, na publicidade – pelo espólio do escritor (sua última descendente direta, a filha Jean, morreu em 1997, mas ainda restam nove herdeiros). Nessa categoria, entram também o James Bond de Ian Fleming, que ganhou uma inesgotável sobrevida no cinema e em romances de outros autores, e o agente Bourne de Robert Ludlum, depois adotado por Eric van Lustbader. Criador de uma numerosa galeria de mulheres sofredoras e determinadas, Sheldon não ficou associado a uma única criatura. A retomada de sua marca começa pela continuação de um de seus romances mais conhecidos. O trabalho de Tilly foi facilitado pelo fato de O Reverso da Medalha ser uma saga familiar – Sheldon deixou, no fim do romance, personagens jovens e aptos à reprodução, para levar a história adiante. Tilly recuperou as gêmeas Eve e Alexandra Blackwell – e colocou os filhos das duas em uma disputa renhida pela sucessão na empresa da família. Alexandra morre logo no início do livro, em circunstâncias especialmente lacrimosas, mas Eve, a gêmea má cujo rosto foi deformado em uma cirurgia plástica rea-lizada pelo próprio marido, segue viva para maquinar seus esquemas. "Sempre gostei mais dos vilões de Sheldon. A gêmea má é muito mais interessante do que a boazinha", diz a autora. Tilly está para lançar outro romance com o nome de Sheldon – não mais uma continuação de uma obra anterior, mas apenas um livro no estilo (se cabe a palavra) do autor.

Em geral, o escritor que leva adiante a marca de um best-seller já provou sua competência em livros assinados só com o próprio nome – mas sem alcançar vendas realmente expressivas. A oportunidade de se associar a um morto ilustre é muito sedutora para esses autores de segundo escalão. E eles realmente não se importam com o fato de o nome mais proeminente na capa pertencer a um escritor que não digitou uma só linha do texto. Em geral, porém, esses livros oferecem exatamente o que o leitor já encontrava nas obras do escritor original. De leitura ágil, com muito sexo e doses diabéticas de melodrama, A Senhora do Jogo não trai o espírito de Sheldon. Tilly buscou ser fiel até nas escolhas vocabulares do escritor – e para tanto contou com a colaboração da viúva Alexandra, que fiscalizou cada palavra do livro. Em uma cena na qual um paparazzo está encarapitado em uma árvore para obter uma foto de Eve Blackwell, Tilly dizia que o frio era tanto que estava congelando uma parte íntima (o termo era grosseiro) do personagem. Alexandra Sheldon observou que o marido teria preferido outra palavra. Versão final: o fotógrafo estava ficando com o traseiro congelado

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