FOLHA DE S. PAULO /
O arquiteto Sabino Barroso conta, em livro, pequenos e interessantes episódios do Rio
Sabino Barroso , meu amigo há 40 anos, companheiro de praia em frente à Farme de Amoedo, em Ipanema, de papos regados a chope no Luna; de sambar na Banda de Ipanema e dos desfiles de escola de samba muito antes da passarela na Marquês de Sapucaí -é arquiteto e colaborou com Oscar Niemeyer nos projetos de Brasília, lá no Planalto Central, quando a cidade ainda não existia. Sei, além do mais, que participou dos projetos das primeiras estações do metrô do Rio e que desfilava, tocando pandeiro, na bateria da Estação Primeira de Mangueira. Só não sabia que, além de tudo isso, era também escritor.
Por não sabê-lo, não acreditei que era ele o autor mencionado no convite que me chegou pela internet para uma noite de autógrafos. Ali estava escrito: "Arquiteto Sabino Machado Barroso". Pode não ser ele, pensei, por causa do "Machado", mas reconsiderei, já que era muita coincidência outro arquiteto chamado Sabino Barroso. E, se me mandou o convite, é porque me conhece.
Pelo sim, pelo não, decidi comparecer à Livraria Argumento e lá estava ele com a Nininha, sua companheira de tantos anos e também minha amiga, cercado de amigos quase todos meus conhecidos. Fiz muito bem em ter ido, porque pude abraçá-lo, conversar com a turma e, sobretudo, comprar o livro, que se chama "Acasos". Mal cheguei em casa, abri-o para dar uma espiada, mas não parei de ler: Sabino nos conta, nele, pequenos e interessantes episódios, acontecidos com ele ou de que teve notícia no seu círculo de amigos e parentes. São tanto mais interessantes porque, muitas vezes, envolvem personagens de uma parte do Rio, que ele há muitos anos frequenta, especialmente o ambiente da Estação Primeira de Mangueira, cuja sede e quadra de ensaios foram por ele projetadas.
Por isso, embora narre esse episódio na terceira pessoa, sei que era ele o arquiteto, ali referido, que, todas as tardes, deixava o escritório para ir vistoriar as obras, em companhia de Cartola, o famoso autor de "As Rosas Não Falam". E não é que, certa tarde, às vésperas do Carnaval, quando foi à escola buscar sua fantasia, deparou-se com uma viatura policial que o fez deter-se? Queriam saber o que fazia ali aquele cara de paletó e gravata. Teve que entrar no carro e ali o interrogaram. O que os convenceu mesmo foi quando ele disse, um por um, os nomes dos componentes da bateria da Mangueira. Mas, quando ao chegar à escola para receber a fantasia, soube que o chapéu verde, de plumas cor de rosa, que a completava, teria que ir apanhar no Pindura Saia, ali no morro mesmo. Foi e desta vez viu-se diante do revólver empunhado por um pivete.
Safou-se graças à ajuda de conhecidos que o fizeram pular para dentro de um boteco.
Num mesmo dia, passara por marginal para a polícia e, por policial, para os marginais.
Outra história que ele conta, relacionada com a Mangueira, é a do compositor Geraldo das Neves, também conhecido como Brechó, apelido que lhe puseram porque diziam que se vestia com roupas usadas compradas em um brechó. Geraldo era um excelente compositor, que acertava mais nos "sambas de quadra" do que nos sambas-enredo. Por isso mesmo, seu sonho era ter um samba-enredo seu, escolhido pela escola e cantado na avenida.
Quando isso aconteceu, entrou em delírio, convencido de que a glória havia chegado e, com ela, a riqueza: compraria uma casa na praia, um carro de luxo, arranjaria uma mulher linda e faria viagens à Europa. Ficou tudo em sonhos, já que o prêmio nunca lhe foi pago. De qualquer modo, algum dinheiro ganhou com as gravações do samba, permitindo-lhe comprar roupas novas e uma dentadura postiça, que passou a exibir nos ensaios da escola, rindo à toa. Dizem que essa dentadura teria comprado de um dentista, que as produzia em série e vendia como os camelôs vendem "óculos de grau". O cara experimenta e, se servir, compra. Dentadura de brechó!
Conta Sabino que, certa noite, durante um ensaio, foi preso. Estava devendo à Justiça, que o condenara por agressão. Foi recolhido à penitenciária, onde quase morre durante um levante de presos. Conseguiu ser transferido para um hospital-presídio. Solto, passou maus momentos, tendo que dormir na rua, até que seu samba-enredo foi escolhido pelo júri da escola. Mas, numa noite em que não compareceu ao ensaio, correu a notícia de que havia morrido na emergência de um hospital, vítima de uns marginais, que jogaram do alto de uma escadaria em Santa Teresa.
Seu corpo foi velado na quadra da escola e enterrado à batida ritmada do "surdo". Conheci Geraldo das Neves e cheguei a saber de cor um de seus sambas.
Entrevista:O Estado inteligente
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