Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Miriam Leitão Política retrô

O GLOBO
PANORAMA ECONÔMICO
Foi uma sexta-feira. O governo venezuelano desvalorizou o bolívar e fixou taxas de câmbio variadas, a mais alta em 4,3 por dólar. A medida provocou inflação, desabastecimento, e uma crise prolongada que terminou no caracazo. Foi há 27 anos. No site do próprio Ministério da Informação, de Hugo Chávez, o sistema de múltiplo câmbio é definido como "celebremente corrupto".
Quem lê o texto do site oficial da Venezuela, de 18 de fevereiro de 2008, só pode achar que uma estranha força obrigou o governo a repetir uma história da qual ele sabe o final e que condena.

Foi de novo numa sextafeira, de novo a política adotada foi de taxas de câmbio múltiplas, e uma das taxas, coincidentemente, é 4,3. A Venezuela parece condenada ao passado.

O site do Ministério da Informação relembra o fato acontecido em 1983: "O final do dólar a 4,3. Sextafeira negra, uma passagem obscura da nossa história." O texto diz que aquela sexta-feira será lembrada como o dia em que o bolívar sofreu a maior desvalorização da História, que levou o governo Luis Herrera Campins a controlar o câmbio, provocou perda do poder aquisitivo da população e uma fuga de US$ 60 bilhões do país. "Essa perda ocorreu por causa de uma 'invenção' que passaria à posteridade por ser celebremente corrupto: o sistema de câmbios diferenciados", diz o site do ministério. Segundo o relato, foram as distorções decorrentes desse modelo que levaram à explosão dos movimentos de rua em 1989, que ficou conhecido como caracazo.

O sistema de múltiplas taxas de câmbio foi adotado em 1983 pelo presidente Campins. Ele provocou um salto na inflação para 40% e desabastecimento.

Aprofundou desequilíbrios do país, aumentou a corrupção, e, quando terminou, provocou outro salto da inflação que levou à supermanifestação de rua no governo Carlos Andrés Perez. Agora, Hugo Chávez adota o sistema que criticou e o define como mais um passo do seu "socialismo do século XXI".

Já se esperava a desvalorização da moeda venezuelana, mas a maneira como o governo está lidando com o problema pode agravar a crise econômica do país. Foram fixadas duas taxas de câmbio, mas até a mais desvalorizada, com cotação em 4,3 bolívares por dólar, é superada pelo paralelo, que negocia um dólar por seis bolívares.

Ou seja, o país está com três cotações da moeda, na prática.

Nada do que Chávez está fazendo é novo, ele está repetindo o que já deu errado no passado. A diferença é que agora exacerbou os equívocos. A América Latina conhece bem a inutilidade dos congelamentos de preços, principalmente após uma desvalorização.

Aqui, já se viu nos anos 80 a polícia tentando controlar preços da carne, na famosa caça ao boi no pasto. Mas o Exército com fuzil dentro de loja, só mesmo Chávez.

A inflação de 27% na Venezuela é a maior em 78 países acompanhados pela Bloomberg. E ela certamente vai subir. Contra leis econômicas, fuzis nunca funcionaram.

Se o custo de reposição de estoque aumentou, os preços são remarcados ou então não se repõe o estoque e aumenta o desabastecimento. A recessão joga a favor de Chávez porque com menor capacidade de consumo, a tendência de repasse é menor.

Porém, como houve correria às lojas, o dilema entre reposição de estoque com novos preços ou desabastecimento vai se antecipar.

Até o ministro Ali Rodriguez, das Finanças, prevê elevação da inflação.

Os bancos estão a favor das mudanças. Segundo o acompanhamento do site Roubini Global Economics, os analistas do Barclays, Deutsche Bank e Citi publicaram análises avaliando que a desvalorização trará bons resultados. Em suma, o raciocínio é que a moeda estava mesmo supervalorizada, depois dos anos do câmbio fixo, e que o governo venezuelano derrubará de 7% para 3% seu déficit público, aumentando sua capacidade de pagar a dívida.

Bancos são bancos e a análise deles não vai além dessa equação sobre capacidade de pagamento. O que Chávez está querendo é aumentar sua capacidade de gastar, de olho nas eleições legislativas de setembro.

Com o câmbio mais alto, o dólar petroleiro, a PDVSA aumentará muito suas receitas em bolívares e recolherá mais impostos.

Não é a mudança da taxa de câmbio que preocupa, mas a adoção dessa política de múltiplas taxas, e principalmente a convocação do Exército para reprimir leis econômicas.

Na avaliação do site de Roubini, o aumento dos gastos alimentado pela alta das receita de petróleo elevará a inflação "a niveis astronomicos".

Ontem, começou oficialmente o racionamento de energia na Venezuela. Em Caracas, os cortes podem chegar a quatro horas por dia e o racionamento vai, em princípio, até maio. Isso deve aprofundar a recessão.

No ambiente recessivo, as pressões inflacionárias são menores. Mas com incerteza jurídica e racionamento de energia os investidores do setor produtivo investirão ainda menos.

Chávez é péssimo administrador econômico. Conseguiu ter crise de desabastecimento e aumentar o déficit em pleno boom do petróleo. No ano passado, o petróleo caiu e a situação fiscal piorou. O mandonismo errático de Chávez está afastando investidores mesmo num país rico como a Venezuela. Esse subinvestimento provocou a crise de energia e não apenas a seca.

Agora, o país está em recessão, sem energia, dependendo de importação de produtos essenciais, com inflação em dois dígitos há anos, com Exército dentro das lojas, e repetindo uma política cambial que já não deu certo em outras épocas.

E o pior é que não há horizonte para o país.
COM ALVARO GRIBEL

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