, O Globo, 31/01/10
As ainda tímidas reações a tentativas de controle governamental de conteúdo da imprensa revelam que tal despropósito não triunfará, porque o Brasil democrático tem uma população atenta que se mobilizará, quando necessário, em favor da própria liberdade de expressão e de informação.
Precariedades existem, sempre existirão, e as reclamações ajudam a melhorar a qualidade do noticiário.
De minha parte, também tenho reclamações.
Conversa de Fernando Henrique com Mendonça de Barros, em trecho bem-humorado sobre o exuberante apoio da mídia ao governo, à época das privatizações, reflete a realidade: — Acho que estão exagerando — diz o presidente.
— Verdade. E continuam a exagerar.
Acrescente-se que os três poderes, nos âmbitos federal, estadual e municipal, dispõem de um aparato de comunicação.
É a pioneira Voz do Brasil, o Café com o Presidente, o Bom Dia Governador, o Bom Dia Ministro ou o Bom Dia Prefeito. De quebra, o horário gratuito dos partidos políticos, onde tudo ficará melhor. Para arrematar, as redes nacionais de rádio e televisão para os anúncios de boas novas, que também poderão ser encontradas na TV Brasil, TV Câmara, TV Senado, TV Justiça, TV Assembleia Legislativa e TV Câmara Municipal. A agência Brasil se encarrega do abastecimento de notícias para milhares de jornais e estações de rádio e televisão pelo país. Os sites governamentais povoam a internet.
Sobre a mídia oficial reina o civilizado ambiente de liberdade para definir seu funcionamento e informar o cidadão, sem as ameaças lançadas sobre os veículos privados de comunicação.
O que lhe reduz a credibilidade é a abordagem dissimulada de temas como previdência, planos de saúde e segurança.
Causa descrédito o silêncio sobre a política de achatamento da remuneração de aposentadorias e pensões, quando comparadas ao salário mínimo, cujo poder aquisitivo melhorou. Poderia ficar melhor, se o governo desonerasse a folha de pagamento, sem redução ou perda de direitos trabalhistas. No Brasil, criar empregos custa caro.
A realidade é que quem contribuiu para a Previdência Social com a expectativa de ganhar três ou quatro salários mínimos ao longo da vida em breve estará reduzido a um salário. O baque no bolso dos trabalhadores ativos de ontem já desperta inquietação nos trabalhadores ativos de hoje, com o agravante do fator previdenciário.
A mesma camuflagem recai sobre a iniciativa governamental de uma lei que favorece as empresas de seguro saúde na relação com os segurados.
O substitutivo do relator, o saudoso deputado José Aristodemo Pinotti, melhor para os consumidores, foi derrotado, dando lugar à aprovação do projeto governista, pelo voto do PSDB e do PFL (DEM) consorciados com partidos da base, exceto PDT, PT, PCdoB e PSB.
Apesar das precariedades conhecidas, a necessidade do seguro saúde é tão imperiosa que passou a ser referência no contrato dos trabalhadores.
Muitos abandonam a reivindicação salarial, em troca de um mínimo de garantias de atendimento da família em entidades privadas de saúde.
Idêntico engajamento governamental oculta, na mídia oficial, a repercussão sobre as dez mil pessoas mortas por balas da polícia do Estado do Rio de Janeiro, no intervalo de 12 anos. Muitas, seguramente em confrontos que não permitem a denominação de assassinatos. Outras, com marcas de execução demonstradas em laudos cadavéricos, nos quais se descrevem os sinais de algemas nos pulsos e os chamados tiros de misericórdia na cabeça.
Policiais também são covardemente executados por bandidos dentro de carros sem blindagem, nos conflitos urbanos que geram intranquilidade permanente nas grandes cidades. Reina a inércia sobre os projetos que revitalizam as carreiras policiais para valorizaros que, nas corporações, opõem-se a vícios históricos de conluio com o crime.
Por seu lado, as vítimas da violência sofrem com a morte ou a mutilação de parentes e a falta de programas governamentais eficientes a lhes assegurar garantias materiais e acompanhamento psicológico.
Tais temas foram escolhidos entre muitos outros relacionados a políticas substantivas, de solução reclamada pela população, sempre esmaecidos nas manifestações e nos veículos oficiais, exuberantes em exaltações chapa-branca de culto à personalidade.
O contraponto e a crítica à atuação governamental têm espaço obrigatório na mídia privada, cuja confiabilidade sofrerá danos irreversíveis se controlada pelas anunciadas investidas do poder público.
Que se fortaleça a liberdade de expressão em veículos oficiais e privados, cada qual com seu papel.
MIRO TEIXEIRA é deputado federal (PDTRJ).
Entrevista:O Estado inteligente
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