Valor Econômico - 05/11/2009 |
O mundo enfrenta hoje outra escolha desoladora entre duas formas diferentes de organização Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim e do colapso do comunismo, o mundo está enfrentando outra escolha desoladora entre duas formas fundamentalmente diferentes de organização: capitalismo internacional e capitalismo estatal. A primeira, representada pelos Estados Unidos, faliu, e a última, representada pela China, está em ascensão. Seguir a trilha da menor resistência levará à desintegração gradual do sistema financeiro internacional. Um novo sistema multilateral baseado em princípios mais sólidos precisa ser inventado. Apesar da dificuldade de obter cooperação internacional em torno da reforma reguladora em etapas, ela pode ser conseguida num grande pacto que reorganize todo o sistema financeiro. Uma nova conferência de Bretton Woods, como aquela que estabeleceu a arquitetura financeira internacional pós-Segunda Guerra Mundial, é necessária para estabelecer novas regras internacionais, incluindo o tratamento de instituições financeiras que sejam grandes demais para falir e o papel dos controles de capital. Ela também teria de reformular o Fundo Monetário Internacional (FMI), para refletir melhor a hierarquia social predominante entre os Estados e rever seus métodos de atuação. Além disso, um novo Bretton Woods teria de reformar o sistema monetário. A ordem do pós-guerra, que tornou os EUA um país mais igual que os demais, gerou desequilíbrios perigosos. O dólar já não desfruta a confiança e a certeza de antigamente, porém nenhuma outra moeda pode assumir o seu lugar. Os EUA não deveriam se esquivar do uso mais disseminado dos Direitos Especiais de Saque (SDRs, na sigla em inglês) do FMI. Considerando que os SDR são denominados em várias moedas nacionais, nenhuma moeda isolada poderia desfrutar uma vantagem injusta. A gama de moedas incluídas nos SDR precisaria ser ampliada, e algumas das moedas recém-agregadas, incluindo o renmimbi, podem não ser plenamente conversíveis. Isso, por sua vez, permitiria à comunidade internacional pressionar a China para que abandone sua âncora cambial ante o dólar e seria a melhor forma de reduzir desequilíbrios internacionais. Além disso, o dólar continuaria sendo a moeda de reserva preferida, contanto que seja administrada de forma prudente. Uma grande vantagem dos SDR é que eles permitem a criação internacional de moeda corrente, que é especialmente útil em tempos como o atual. O dinheiro poderia ser direcionado aonde fosse mais necessário, ao contrário do que está acontecendo atualmente. Um mecanismo que permita a países ricos que não necessitam de reservas adicionais transferir suas verbas aos que necessitarem estaria prontamente disponível, usando as reservas de ouro do FMI. Reorganizar a ordem mundial exigirá se estender para além do sistema financeiro e envolver as Nações Unidas, especialmente a filiação ao Conselho de Segurança. Esse processo precisa ser iniciado pelos EUA, mas China e outros países em desenvolvimento deveriam participar como iguais. Eles são membros hesitantes das instituições de Bretton Woods, que são dominadas por países que já não são dominantes. As potências ascendentes devem estar presentes na criação desse novo sistema para assegurar que sejam adeptos atuantes. O sistema não poderá sobreviver na sua forma presente, e os EUA têm mais a perder em não se posicionarem na vanguarda da sua reforma. Os EUA ainda estão numa posição de liderar o mundo, mas, sem uma liderança previdente, sua posição relativa provavelmente continuará erodindo. O país não consegue mais impor a sua vontade sobre os demais, como tentou fazer a administração de George W. Bush, mas ele poderá liderar um esforço conjunto para envolver o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento, restabelecendo, a liderança americana de forma aceitável. A alternativa é assustadora, pois uma potência em declínio que vem perdendo seu predomínio econômico e político, mas que ainda preserva a supremacia militar constitui uma mistura perigosa. Costumávamos ser tranquilizados pela generalização de que países democráticos buscam a paz. Após a era Bush, essa regra não se aplica mais, se é que já se aplicou. Na verdade, a democracia está envolta em graves problemas na América. A crise financeira causou adversidade a uma população que não gosta de enfrentar realidade dura. O presidente Barack Obama acionou o "multiplicador de confiança" e alega ter contido a recessão. Se houver uma "recaída" da recessão, porém, os americanos ficarão suscetíveis a todos os tipos de alarmismo e demagogia populista. Se Obama fracassar, a próxima administração ficará seriamente tentada a criar alguma distração dos problemas do país - a um grande risco para o mundo. Obama tem a visão certa. Ele crê em cooperação internacional, no lugar da filosofia da lei do mais forte da era Bush-Cheney. O aparecimento do G-20 como principal instância de cooperação internacional e do processo de avaliação por especialistas, acertado em Pittsburgh, são passos na direção certa. O que está faltando, porém, é um reconhecimento generalizado de que o sistema está falido e precisa ser reinventado. Afinal, o sistema financeiro não desmoronou de todo, e o governo Obama tomou uma decisão consciente de reviver os bancos com subsídios dissimulados, em vez de recapitalizá-los compulsoriamente. Essas instituições que sobreviveram deterão uma posição de mercado mais sólida do que nunca, e resistirão a uma reestruturação sistemática. A liderança da China precisa ser ainda mais previdente que Obama. A China está substituindo o consumidor americano como motor da economia mundial. Como é um motor pequeno, a economia mundial crescerá em ritmo mais lento, mas a influência crescerá rapidamente. Por enquanto, o público chinês está disposto a subordinar sua liberdade individual à estabilidade política e ao progresso econômico. Mas isso pode não continuar indefinidamente - e o resto do mundo jamais subordinará a sua liberdade à prosperidade do Estado chinês. À medida que a China se tornar uma líder mundial, ela precisará se transformar numa sociedade aberta que o resto do mundo esteja disposto a aceitar como uma líder mundial. Da forma como estão as relações de poderio militar, a China não tem nenhuma alternativa ao desenvolvimento harmonioso e pacífico. Na verdade, o futuro do mundo depende disso. George Soros é presidente do conselho do Soros Fund Management e da Open Society Institute. Seu livro mais recente é "The Crash of 2008". Copyright: Project Syndicate, 2009. www.project-syndicate.org. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, novembro 05, 2009
Uma nova arquitetura mundial George Soros
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