Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 21, 2009

Copenhague: ainda há esperança de avanço

Ainda há esperança

Shawn Then/EFE
SEM METAS
Obama e Jintao: incerteza sobre acordo em Copenhague


O mundo está diante de uma questão: quanto cada país está disposto a ceder em seus interesses particulares em favor da saúde coletiva na missão de conter o ritmo do aquecimento atmosférico? Essa pergunta deveria ser respondida daqui a duas semanas, na reunião de cúpula que levará representantes de 192 países a Copenhague, capital da Dinamarca. Os mais otimistas, que já previam um futuro brilhante, levaram um banho de água fria. A posição manifestada pelos dois maiores emissores de gases do efeito estufa da face da Terra, Estados Unidos e China, envolveu o evento em uma bruma de incertezas. Os dois presidentes, Barack Obama e Hu Jintao, reunidos para selar um acordo de cooperação econômica Ásia-Pacífico, na semana passada, anunciaram que seus representantes não levarão metas numéricas para a reunião. Juntos, os países respondem por 40% das emissões de carbono que enfumaçam o planeta. Uma comparação ajuda a entender o tamanho do impasse. Se a reunião fosse um jogo de xadrez (e não será diferente disso), os compromissos dos EUA e da China seriam o tabuleiro. Todo o resto se desenrolará tendo suas propostas como base. Diante disso, outra pergunta se impôs. Será possível salvar a reunião de Copenhague e obter um acordo que limpe os céus do mundo?

A boa notícia é que nem tudo está perdido. A ideia de que tudo se resolveria numa única reunião só ocorreu aos mais ingênuos. A complexidade das questões científicas e econômicas envolvidas na discussão leva o assunto para muito além da mera vontade de abraçar as árvores e salvar o planeta. O que se discute é a melhor maneira de fazer isso sem paralisar economias movidas a carbono. Embora já não se tenha esperança de compromissos formais neste ano, é possível, sim, que saia de Copenhague um acordo político, em que os países desenvolvidos confirmem a necessidade de redução das suas emissões e sejam estabelecidos mecanismos de financiamento para que as nações em desenvolvimento façam o mesmo. Os números concretos virão numa reunião seguinte. Se isso acontecer, já não será pouca coisa. Um compromisso sério dos principais emissores de reduzir seus índices de poluição é um avanço em relação ao Protocolo de Kioto, que fracassou, entre outras razões, pela não ratificação dos Estados Unidos. Faltando duas semanas, é possível que as pressões que neste momento estão ocorrendo no mundo inteiro consigam fazer efeito.

No meio das vozes que se levantam, está a do sul-africano Kumi Naidoo, 44 anos, o novo presidente do Greenpeace Internacional. Ele conversou com VEJA, por telefone, para explicar a posição de sua organização. A ligação foi feita em etapas. Kumi estava viajando da África do Sul para a Inglaterra. O trecho entre Amsterdã e Londres, de avião, levaria duas horas apenas. Ele o fez em seis horas, de trem. A política do Greenpeace determina que, se houver escolha, se deve optar pelo meio de transporte de menor emissão de carbono. No caminho, conversou com o repórter Ronaldo Soares.

Marco Okhuizen/Greenpeace
EM PÉ DE GUERRA
Naidoo: o Greenpeace vai levar navios e ativistas à convenção do clima

RESULTADOS DE COPENHAGUE
O fracasso nas negociações, ou o estabelecimento de metas tímidas, é tudo de que o mundo não precisa agora. Precisamos de alvos ambiciosos. Precisamos reforçar a mensagem de urgência para o problema ambiental. Recursos devem ser mobilizados para ajudar na adaptação de países em desenvolvimento. Se os políticos se empenhassem, poderia haver o financiamento anual dos 100 bilhões de dólares necessários para isso. Se os países foram capazes, de um dia para o outro, de mobilizar trilhões de dólares para socorrer os bancos, certamente será possível mobilizar uma fração desse dinheiro para socorrer o meio ambiente e os pobres. Infelizmente, os países não têm caminhado nessa direção.

FALTA COMPROMISSO
A maioria dos países que assinaram o Protocolo de Kioto não o aprovou no Parlamento. Os Estados Unidos, na era Bush, negavam as mudanças climáticas. Continuaremos sustentando que é preciso um tratado que seja levado a sério. É o que mostra a história dessas reuniões globais. Se você pegar a Eco-92, no Rio, e observar o que foi prometido e o que foi feito, se 20% do que foi acordado tiver sido realizado, é muito. O não cumprimento de um acordo significa uma traição não só ao meio ambiente e às populações pobres, mas também à democracia, porque a maioria da população mundial quer que os governos atuem com urgência para resolver a questão do clima. Isso vale inclusive para os Estados Unidos, onde 54% da população quer isso. O problema hoje no mundo é que há muitos políticos e poucos líderes. Isso é especialmente delicado num momento como o que vivemos, com a ocorrência simultânea de crise financeira, de combustíveis, do clima, da alimentação. É parte do nosso desafio fazer com que os governos ouçam nossos conselhos, porque eles demoraram muito em concordar conosco e em adotar ações para preservar o planeta.

ESFORÇO CONCENTRADO
Precisamos de um compromisso formal de todos os países em Copenhague. Vamos continuar pressionando nas próximas duas semanas, até o último minuto, para que a conferência não fracasse. Levaremos dois de nossos navios para lá. Centenas de ativistas, de várias partes do mundo, estarão presentes. Há quem diga que não é realista acreditar num acordo, mas prefiro dizer que não é realista aceitar a destruição do planeta. Quando o Greenpeace afirmava, mais de vinte anos atrás, que o clima estava mudando, chamavam-nos de alarmistas. Diziam que não éramos realistas.

OPINIÃO PÚBLICA
Recentemente, os ministros das Ilhas Maldivas promoveram uma reunião embaixo d’água, para chamar atenção sobre o problema do clima. As pessoas estão fazendo coisas para mostrar que não se pode continuar sem fazer nada. Trata-se do maior desafio que a humanidade já enfrentou. Eu entendo as dificuldades que temos para chamar atenção sobre a questão do clima. Quando você pensa em outros desafios, como violações dos direitos humanos ou pobreza, consegue ver e entender imediatamente do que se trata. Está bem claro do que se trata. Mas com as mudanças climáticas os efeitos se dão muito mais lentamente, e é mais difícil fazer com que as pessoas entendam a urgência do tema. E é também difícil explicar isso do ponto de vista científico. Quando se fala em mudanças climáticas, fala-se em reduzir as emissões em 20% ou 40%, em coisas que precisamos fazer até 2020 ou 2050, em 350 partes por milhão, em geral temas muito complicados para que as pessoas comuns entendam e se mobilizem.

DESENVOLVIMENTO X PROTEÇÃO
Vivemos num mundo em que 1,6 bilhão de pessoas simplesmente não têm acesso à energia elétrica. É um crime contra a humanidade. Isso significa que crianças em idade escolar não têm luz para estudar em casa. Que famílias inteiras preparam seus alimentos em condições degradantes. Ou seja, o atual caminho de desenvolvimento econômico deixou cerca de 25% da população do planeta sem nenhuma possibilidade de se desenvolver. Se quisermos dar a todas as pessoas do mundo o mesmo estilo de vida dos países desenvolvidos, serão necessários oito planetas Terra. Como isso é impossível, precisamos melhorar a qualidade do crescimento que temos. Porque o que observamos é um crescimento sem equidade, que não é compartilhado em recursos, em bem-estar. Vejo este momento, em que as crises financeira e climática se deram ao mesmo tempo, como uma oportunidade para pensar numa ambiciosa economia verde.

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