Marcelo Sato, casado com a filha mais velha de Lula, aparece em investigação da Polícia Federal conversando com empresário acusado de formação de quadrilha, estelionato e corrupção
Gustavo Ribeiro
Michel Filho/Ag. O Globo |
Lula Como o francês François Mitterrand e o americano Jimmy Carter, teve algumas tristezas causadas por parentes |
Não são raros os casos de chefes de estado que, vez por outra, se encontram na constrangedora situação de administrar fanfarronadas de parentes, amigos ou pessoas próximas. O presidente Lula não escapa dessa maldição. Ele já passou por essa situação algumas vezes, uma delas quando seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, foi pilhado pedindo dinheiro ("dois pau") a um empresário do ramo de jogos. Agora, um genro do presidente aparece como protagonista de atos ilegais em uma investigação da Polícia Federal. O genro é Marcelo Sato, casado com Lurian, filha mais velha de Lula. Sato foi flagrado pelos policiais negociando o recebimento de 10 000 reais de um empresário ligado a uma quadrilha investigada por lavagem de dinheiro, operações cambiais clandestinas, ocultação de bens e tráfico de influência. Equivaleria a um certificado de boa conduta se tudo o que esses parentes e meios-parentes de Lula tivessem obtido de benefícios próprios em sete anos de governo fossem os "dois pau" para Vavá e os 10 000 reais para Sato, que deveria repassá-los a Lurian, conforme as gravações da PF. Mas a questão não pode ser colocada em termos de valores absolutos. É grave o caso de Marcelo Sato, oficialmente empregado como assessor parlamentar.
O marido da filha do presidente prestava serviços a uma quadrilha, ora acompanhando processos em órgãos federais, ora usando sua condição de "genro" para agendar reuniões dos suspeitos com autoridades do governo.
É no terreno fértil das franjas do poder que florescem histórias desse tipo. VEJA teve acesso a relatórios policiais reservados da chamada Operação Influenza, que, durante dois anos, monitorou as atividades de uma quadrilha de empresários de Santa Catarina e de São Paulo apontados como responsáveis por desfalques milionários contra os cofres públicos. O genro do presidente, segundo a PF, funcionava como lobista do grupo. Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça mostram que Marcelo Sato mantinha relações estreitas com o empresário João Quimio Nojiri, preso em junho de 2008. Nojiri era quem determinava quais missões o genro deveria cumprir dentro do governo. No dia 21 de maio de 2008, a polícia gravou uma conversa entre o empresário e um amigo de Lurian, identificado apenas como Guilherme. Nojiri conta que recebeu uma mensagem da filha do presidente, que estaria passando por dificuldades financeiras. O empresário, então, mandou depositar 10 000 reais para Lurian na conta-corrente de Marcelo Sato. "Tem certeza que tem que ser na conta dele?", pergunta o amigo. Nojiri liga para sua secretária e manda fazer a transferência do dinheiro.
A ajuda, porém, foi dada de maneira bem peculiar. João Nojiri pediu à secretária que fizesse "dois depósitos de 5" – uma provável medida de precaução contra a vigilância das autoridades, já que os bancos são obrigados a informar e identificar toda movimentação igual ou superior a 10 000 reais. Dividindo o repasse em dois, são nulas as possibilidades de a transação despertar a atenção da entidade fiscalizadora. "Estou fazendo um negócio pra você, tá? Tô sabendo que você tá precisando", informou o empresário a Marcelo Sato.
Lurian negou ter pedido dinheiro ao empresário Nojiri. "Não conheço esse homem. Nunca ouvi falar dele e não sei de dinheiro nenhum", garantiu ela. Marcelo Sato contradisse a esposa e admitiu a proximidade do casal com o investigado Nojiri, com quem teria uma amizade de dez anos. A versão dada por Marcelo Sato para justificar o repasse de 10 000 reais para sua conta exige que a tese da amizade longa e sólida seja verdadeira. O dinheiro seria fruto de um empréstimo pessoal feito por Nojiri e que já teria sido pago por Sato. João Nojiri, por sua vez, confirmou o vínculo com a família Sato, mas não se recorda nem da doação, nem do empréstimo, nem do pagamento do empréstimo. Disse Nojiri: "Não me lembro desses detalhes".
A relação entre empresário e assessor não era uma via de mão única. Se Nojiri prontamente atendia às carências do amigo, também recebia a contrapartida. Em inúmeras conversas registradas pela PF, Marcelo Sato agenda almoços, reuniões e audiências em Brasília com políticos graúdos. Ele conta com o apoio do deputado federal Décio Lima, do PT catarinense. O parlamentar, compadre do casal Sato, é íntimo dos acusados, mas também não se lembra de muita coisa: "Não tenho nenhuma relação com esse pessoal". Décio Lima pode ter esquecido, mas é sabido que ele com frequência tinha à sua disposição um avião da quadrilha investigada pela Polícia Federal. Em 14 de fevereiro de 2008, Sato, Décio e Nojiri estavam em Brasília. Sato disse que levaria o empresário para uma conversa com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, tão logo encerrasse a agenda oficial do dia. A Presidência da República informou que não há registro do encontro.
Fotos Moser/Ag. Rbs e Beto Barata/AE |
O PODER DA SOMBRA |
RELAÇÕES PERIGOSAS
Diálogos captados pela Polícia Federal revelam que o empresário paulista João Noriji deu 10 000 reais para Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente Lula. Segundo a PF, a doação aconteceu na mesma época em que o marido de Lurian, Marcelo Sato, estava usando sua condição de "genro do presidente Lula" para ajudar a abrir portas no governo para a quadrilha que tinha João Nojiri como um dos principais integrantes. Noriji: Eu precisava do rádio, do ID do rádio da Lurian. Guilherme: Eu não tenho. N: Achei que você tinha o radio dela. G: Não, não tenho. N: E como você fala com ela? G: MSN N: Tá bom, então. Eu estou conversando com ela por e-mail. Diz a ela que eu estou resolvendo a questão dela, de uma necessidade, G: Tem certeza que tem que ser na conta dele? Porque ele não vai dizer a ela que entrou e ele não autoriza a ficar checando conta...
Noriji: Josi, aquele depósito. A Sacha te falou que tinha que fazer? Secretária: Depósito do Village? N: Não, o outro. Do Marcelo (Sato). S: Tá aguardando um ok do senhor, se é pra fazer na conta dele ou na conta da esposa. N: Faz na conta dele mesmo. Dois depósitos de 5, tá bom?. S: Tá ótimo então. Vou falar pra fazer na conta dele. Vinte minutos depois, João Nojiri liga para Marcelo Sato e informa sobre o depósito: Nojiri: Oi, querido. Marcelo Sato: Fala, querido. Tudo bem? N: Eu estou fazendo um negócio pra você, tá? Tô sabendo que você tá precisando. Conta com isso. S: Tá. Bom, a gente conversa direitinho... |
DENTRO DO PALÁCIO
Marlene Bergamo/Folha Imagem |
A Polícia Federal responsabilizou o genro do presidente Lula por tráfico de influência. Nas conversas captadas pela PF, Marcelo Sato promete colocar o empresário João Nojiri, que viria a ser preso meses depois, em contato com o presidente Lula.
Nojiri: Tá, mas que horas você acha que é bom ir pra lá?
Sato: Ah, porque hoje ele vai receber o presidente de Guiné Equatorial. Era pras 15h. Ele tá atendendo agora a agenda das 13h45. Aí depois tem o presidente, tem a Dilma, tem o Múcio, aí a gente.
N: Então, mas que horas você acha que a gente tem que ir pra lá?
S: Umas 18h30, por aí. Em princípio, o Múcio tava pra umas 19h. Acho que ele vai antecipar tudo e a gente conversa com ele. Ele vai pro Chile e volta domingo. (...)
N: Onde você tá?
S: Agora eu tô aqui saindo do (Palácio da) Alvorada.
N: Você não quer encontrar antes da gente ir lá pro anexo?
S: Se você quiser ir pra lá, pode ir. Porque eu já vou acertar direitinho lá no gabinete agora, entendeu?
N: Pode deixar marcado. Deixa tudo certo. Tô falando pra conversar com você antes de eu te encontrar, pra ir junto pra lá.
Que que você quer fazer?
S: Quero sentar lá no Palácio agora, falar: "Vem pra cá tal hora, certinho, que a gente vai falar"