Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 14, 2009

Brasileiros reforçam as outras seleções

Pátrias de chuteiras alheias

A Fifa quer restringir os estrangeiros em seleções nacionais.
Seria possível montar uma equipe só com os brasileiros
que vão jogar para outros países na Copa de 2010


Kalleo Coura

Vanderlei Almeida/AFP
SELEÇÃO ÍTALO-BRASILEIRA
A Itália conquistou a medalha de bronze no Mundial de Futsal do ano passado com um time de brasileiros

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Na próxima quarta-feira, dia 18, jogadores brasileiros vão tentar uma vaga na Copa do Mundo de futebol. Não se trata de notícia velha, apesar de o Brasil já ter se classificado há dois meses para a competição na África do Sul. Quem entra em campo nesta semana são o zagueiro Pepe, o meia Deco e o atacante Liedson, todos nascidos no Brasil e integrantes da seleção de Portugal, que disputa a repescagem das eliminatórias europeias com a Bósnia-Herzegovina. Se os portugueses conseguirem a classificação, tudo indica que haverá doze brasileiros vestindo a camisa de outros países na Copa de 2010. Dá para montar um time completo só com os expatriados e ainda sobra um para o banco. O recorde de brasileiros em outras seleções está assegurado mesmo se Portugal fracassar (veja o quadro abaixo). Passada a copa africana, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) planeja não deixar mais essa bola rolar. Até maio deste ano, um jogador estrangeiro precisava viver no mínimo dois anos em um país antes de ganhar autorização para integrar seu time nacional. Atualmente, a regra estabelece uma espera de cinco anos. O plano da Fifa é aumentar ainda mais esse prazo. O objetivo é evitar situações como a da Copa do Mundo de Futsal, realizada em 2008, em que todos os catorze atletas da seleção italiana eram nascidos no Brasil. "Há um excesso de jogadores sul-americanos que obtêm com facilidade o passaporte do país em que atuam. Isso pode resultar numa Copa de 2014 disputada, na maioria, por jogadores do Brasil e da Argentina", disse na semana passada o presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter.

Pedro Pereira/Cityfiles
LIEDSON MUNIZ
O atacante do Sporting de Lisboa, um
dos três brasileiros da seleção de Portugal


A presença de brasileiros em seis seleções (sete, se Portugal se classificar) na próxima Copa do Mundo é uma consequência natural da intensa transferência de talentos para outros países. Na atual Liga dos Campeões, a principal competição entre clubes da Europa, há 75 brasileiros. O número poderia ser ainda mais alto, pois na maioria dos países há limites na quantidade de estrangeiros que os clubes podem colocar em campo. Da mesma forma que muitas nações – como o Canadá, os Estados Unidos e a Noruega – incentivam a imigração de cientistas, engenheiros e outros trabalhadores com conhecimentos técnicos valiosos, os cartolas querem recrutar os melhores craques disponíveis. A diferença é que não existe para a engenharia e outras profissões uma entidade internacional que, em vez de estimular o fluxo de mão de obra entre os países, procura reduzi-lo, como faz a Fifa. "A federação parece temer que haja um problema de identificação entre os torcedores e os jogadores de sua seleção", diz o italiano Raffaele Poli, pesquisador do Centro Internacional de Estudos do Esporte (Cies), na Suíça. Muitos torcedores franceses, por exemplo, recusavam-se a torcer pela seleção da França vice-campeã em 2006. Apelidado de Legião Estrangeira, o time tinha jogadores oriundos de ex-colônias francesas, como Camarões e Senegal, e o seu principal jogador, Zinedine Zidane, era filho de argelinos. Nesse comportamento, também havia uma dose de racismo, é claro.

É compreensível que, num evento esportivo cujo maior apelo é o embate simbólico entre países, se incentive certa coesão na identidade cultural dos jogadores. O problema é estabelecer um critério razoável para definir o que significa ser alemão, italiano, português, espanhol... "Compartilhar valores, idioma, cultura e, em alguns casos, religião é mais relevante para a identidade nacional do que o fato de ter nascido em determinado território", diz o sociólogo inglês Krishan Kumar, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Se é assim, as estatísticas mostram que, provavelmente, a preocupação da Fifa é exagerada. Muitos jogadores expatriados atuam em países com os quais têm grande identificação cultural. Na temporada 1999/2000, por exemplo, havia 74 jogadores brasileiros na liga portuguesa e 42 argentinos na espanhola. Apenas cinco atletas do campeonato inglês, no entanto, eram nascidos no Brasil ou na Argentina. Pepe, Deco e Liedson, por exemplo, antes de se naturalizarem, construíram quase toda a sua carreira futebolística em Portugal. De certa forma, são tão portugueses quanto um pastel de belém.

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