Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 29, 2009

Entrevista Michael J. Fox


O Parkinson não me vence

O ator canadense, diagnosticado com a doença há dezoito anos,
fala do longo caminho que percorreu para reconstruir sua vida
e manter o otimismo no dia a dia


Gabriela Carelli

Timothy White/Corbis Outline/Latinstock
"É sempre complicado encarar a própria mortalidade, mas, uma vez que se consegue lidar com ela, aprendem-se muitas lições"


Michael J. Fox se tornou um dos atores mais populares de Hol-ly-wood nos anos 80 ao estrelar a trilogia De Volta para o Futuro. No auge da carreira, em 1991, intrigado com um tremor em um dos dedos da mão, foi ao médico e recebeu o diagnóstico de Parkinson, doença degenerativa do sistema nervoso. Hoje, aos 48 anos, Fox se orgulha de ter saído fortalecido de todas as provações por que passou à medida que a doença progredia. Embora tenha sido obrigado a abandonar a carreira, ele avalia que se tornou uma pessoa mais rica do ponto de vista espiritual. Neste ano, ele voltou a atuar na série de TV Rescue Me, no papel de um paraplégico. O trabalho acabou lhe rendendo um prêmio Emmy, entregue em setembro. Também neste ano, Fox lançou sua autobiografia, que acaba de chegar às livrarias brasileiras com o título Um Otimista Incorrigível. Ele falou a VEJA.

Sua carreira no cinema foi interrompida pelo Parkinson. Como a doença afetou sua vida?
O Parkinson é uma doença curiosa em muitos aspectos. Por pior que seja, possui uma vantagem: ela acontece de forma gradual. Costumo usar uma metáfora para explicá-la. Se estamos dirigindo a 100 quilômetros por hora numa estrada, um ônibus surge de repente na contramão e não temos tempo de pisar no freio, nossa vida pode mudar num instante. O paciente de Parkinson está na mesma estrada, só que grudado ao asfalto. Ele pode ouvir o ônibus chegando, mas, como demora a aparecer, o paciente tem tempo para refletir sobre o acidente e se preparar para o pior. Quando fui diagnosticado com Parkinson, ainda era capaz de trabalhar. Atuei durante toda a década de 90. Esses anos foram essenciais para preparar meu afastamento, ajustar meus pensamentos e, finalmente, aceitar minha condição e todas as suas implicações. A natureza da doença tem sido muito útil no meu caminho para o autoconhecimento e para a aceitação dos fatos da vida.

Qual foi sua reação ao receber a notícia de que estava com Parkinson?
Em vez de perguntar "por que comigo?", questionei a exatidão do diagnóstico. Achei que os médicos estavam errados. Queria que alguém chegasse e dissesse que era tudo um engano, que eu poderia continuar minha vida normalmente, que estaria apto a exercer minhas atividades de sempre.

O que o ajudou a aceitar o diagnóstico?
Uma ajuda inestimável veio da leitura de um livro chamado On Death and Dying (Sobre a Morte e o Morrer), da psiquiatra Elisabeth Ross. A autora descreve os cinco estágios pelos quais costumam passar os pacientes desenganados: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Quanto mais você entende e aceita sua condição, melhor. Se você não aceita ou não quer lidar com o problema, só piora. Tudo mudou quando decidi me debruçar sobre a doença de Parkinson. Falei com os médicos a respeito do meu quadro, procurei pesquisadores e fiz contato com outros doentes. Inteirei-me da comunidade da qual passara a fazer parte e das necessidades de quem sofre de Parkinson. Tudo isso me deu um novo ânimo e mudou minha atitude diante da doença.

Depois de anos sem atuar, o senhor participou da série de TV Rescue Me e recebeu um Emmy pelo trabalho. Como foi receber o prêmio depois de tanto tempo afastado das telas?
Quando fui convidado para participar do programa, achei que não conseguiria cumprir a tarefa. Meu papel era o de um paraplégico, um homem incapaz de fazer qualquer movimento. Justo eu que, por causa do Parkinson, não consigo parar de me mexer um minuto sequer. Questionei os produtores, porém eles me queriam mesmo assim. As filmagens foram um desafio, mas tanto eu quanto as outras pessoas envolvidas no projeto nos divertimos muito. Vivo em Nova York, e foi como voltar a minha antiga casa em Los Angeles e rever um monte de amigos. Quando você ganha uma oportunidade dessas, e as pessoas apreciam o seu trabalho, a sensação é indescritível. Ganhar o prêmio, é claro, foi emocionante. Gostaria muito de retomar minha carreira, mas representar se tornou muito cansativo para mim. Dá muito mais trabalho do que antes.

"Nem sempre é possível prever as reações físicas que o Parkinson provoca. A doença afeta cada pessoa de forma única. Os corpos reagem de maneiras distintas e os sintomas mudam o tempo todo"

Como o senhor enfrentou a necessidade de abandonar a carreira?
Todos nós, constantemente, temos escolhas a fazer. Podemos nos concentrar em nossas perdas pessoais e passar a existência lamentando-as. A alternativa a isso é empolgar-nos com os novos caminhos que preenchem as lacunas criadas por essas perdas. Sinto falta do trabalho, mas minha vida se tornou recompensadora em outras áreas. Tenho quatro filhos e adoro passar um longo tempo com eles e com minha esposa. Hoje tenho um cotidiano pleno e rico.

Como o Parkinson o afetou fisicamente desde que o senhor recebeu o diagnóstico da doença, há dezoito anos?
Minha esposa sempre brinca comigo quando digo "não posso mais fazer isso, não posso mais fazer aquilo". Ela diz que minhas limitações não se devem ao fato de eu ter Parkinson, mas sim à idade que está chegando. Afinal, já estou beirando os 50 anos. Nem sempre é possível prever as reações físicas que o Parkinson provoca. A doença afeta cada pessoa de forma única. Converso
com outros pacientes e todos tomam medicamentos diferentes. Os corpos reagem de maneiras distintas e os sintomas mudam o tempo todo. Às vezes, atividades como escrever ou correr são impossíveis. Em outras ocasiões, posso praticá-las. É muito difícil planejar o que poderei fazer amanhã ou depois de amanhã. Tenho de lidar com o imprevisível. Às vezes tenho cãibras muito fortes, cólicas e não controlo bem a minha fala. No dia seguinte, eu me sinto bem. Tudo isso ensina o paciente a viver um dia de cada vez.

As limitações físicas constituem o maior fardo da luta contra o Parkinson?
É duro suportar as limitações físicas, porque adoro esportes. Ainda pratico hóquei e golfe, mas não posso jogar tão bem como antigamente. No início, minha maior dificuldade era lidar com a doença do ponto de vista emocional. Como fui capaz de compreender e aceitar minha situação, hoje me sinto muito mais forte nesse sentido. É sempre complicado encarar a própria mortalidade, mas, uma vez que você consegue lidar com ela, aprende lições profundas. Querer fazer algo simples e não conseguir representa uma grande perda. Mas aprendi que, com paciência, o vazio dessas perdas acaba por ser preenchido. Em cada decepção há uma oportunidade. Basta saber reconhecer quando essa oportunidade aparece. A recompensa é sempre maior do que a perda.

Que recompensas a doença lhe proporcionou?
À medida que minha saúde se deteriora, minha condição mental e espiritual melhora. Estou muito mais feliz em relação a certas coisas do que quando era mais jovem. Sou mais tolerante, tenho mais entusiasmo e compaixão. Uma das minhas grandes recompensas é a fundação para pesquisa de células-tronco que criei. Trata-se da segunda maior fundação de pesquisa para Parkinson em atuação no mundo. Esse projeto, e as possibilidades que ele abre para a cura de milhões de pessoas, compensa plenamente muitas coisas das quais tive de abrir mão.

Baseado nas pesquisas com células-tronco feitas por sua fundação, o senhor acredita que em breve haverá tratamento para doenças como Parkinson e câncer?
Tenho certeza de que as células-tronco serão a resposta da medicina para a cura de várias doenças em um futuro não muito distante. Infelizmente, estamos vários anos atrasados por causa da posição conservadora do ex-presidente americano George W. Bush com relação às pesquisas com células-tronco embrionárias. Nos Estados Unidos, muitos cientistas deixaram esse campo de pesquisa e migraram para outras áreas porque não conseguiam quem os financiasse
e não tinham apoio do governo.

Muitas pessoas que sofrem acidentes graves ou são acometidas por doenças como o Parkinson procuram ajuda na religião. O senhor é religioso?
Não pertenço a nenhuma religião específica, mas sinto que há uma força superior a mim atuando, uma força positiva. O que gosto na religião é a noção de humildade que ela promove. Eu aprendi a ser humilde.

Em seu livro, Um Otimista Incorrigível, o senhor relata sua luta contra o alcoolismo. Como conseguiu deixar a bebida?
Meu problema com a bebida piorou muito quando fui diagnosticado com Parkinson. Quando me deram a notícia, comecei a beber mais ainda. Para mim, o alcoolismo e o Parkinson têm muito em comum – é impossível ter controle sobre ambos. Foi preciso me render e aceitar que eu não
podia beber moderadamente. Só assim a recuperação se tornou possível. Com o Parkinson é a
mesma coisa. É necessário render-se para preparar o futuro.

"Enquanto minha condição física se deteriora, minha condição mental e espiritual melhora. Estou muito mais tolerante, tenho mais entusiasmo e compaixão do que quando era jovem"

No livro, o senhor cita o ciclista Lance Armstrong, que teve câncer, e o ator Christopher Reeve, que ficou tetraplégico, como fontes de inspiração para conviver com o Parkinson. Por quê?
São duas pessoas a quem respeito e admiro. De certa forma, em algum ponto da vida, eles estiveram na mesma situação que eu. De repente, algo terrível aconteceu a eles. Mesmo assim, encontraram forças para direcionar sua energia na conscientização do público sobre os seus problemas e na pesquisa para amenizar o sofrimento das pessoas que passavam por situações semelhantes. Sinto um respeito especial por Reeve, que teve muita dificuldade em lidar com as consequências de seu acidente e passou por desafios terríveis ao ficar tetraplégico. Ele conseguiu mobilizar a opinião pública para a importância das pesquisas com células-tronco para
o tratamento da lesão de medula espinhal e outras doenças. Lance Armstrong também me surpreendeu. No Tour de France, em Paris, vi centenas de pessoas com câncer que viajaram o mundo todo só para estar com ele, e pude perceber a importância que suas tentativas de superação da doença tinham na vida daquelas pessoas.

O que é mais importante para aprender a conviver com o Parkinson ou outra doença grave?
O mais importante é aprender a viver o momento. Tenho uma teoria: imagine uma pessoa doente ou que sofreu um acidente e vive com medo de que o pior cenário se materialize. Esse medo se torna uma obsessão que toma conta de sua mente. Se, por infelicidade, o pior cenário se tornar real, essa pessoa viverá o mesmo drama duas vezes. Claro que devemos ser realistas e aceitar as circunstâncias, mas acho que, mesmo diante de uma situação dramática, há muitos motivos para ter pensamentos positivos. Muito do que aconteceu no ano passado durante as eleições americanas foi decorrente do otimismo na sua forma mais pura. Milhões de eleitores que votaram no Partido Democrata estavam reunidos por acreditar em uma mudança efetiva nos rumos dos Estados Unidos, de seu povo e do mundo. O presidente Barack Obama chamou esse sentimento de uma urgência feroz do agora. Sua mensagem dizia que era preciso lidar com os problemas que estão à frente em vez de se preocupar com o passado ou ficar com medo do que possa acontecer no futuro.

Como o senhor se mantém tão otimista?
Tento ver possibilidades em todas as circunstâncias. Para tudo o que nos é tirado, algo de grande valor nos é oferecido. Quando estive no México, há alguns anos, um guia me mostrou uma árvore da qual escorria um líquido vermelho e disse para não tocá-la de jeito nenhum, pois a substância poderia causar queimaduras. Um pouco mais à frente, deparamos com outra árvore, da qual escorria um líquido preto. O fluido, disse o guia, curava queimaduras. Assim é a vida. Para tudo o que queima, há algo que cura.

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