O governador do Distrito Federal é investigado pela PF por
suspeita de uso de doações de caixa dois para comprar deputados distritais
Otávio Cabral
Fotos Dida Sampaio/AE e Cristiano Mariz |
NOTAS MARCADAS |
José Roberto Arruda (DEM), governador do Distrito Federal, já conheceu o céu e o inferno na política. Há oito anos, ele era líder do governo Fernando Henrique Cardoso no Senado quando teve de renunciar ao mandato por ter participado da violação do sigilo do painel de votações. Arruda voltou por baixo, elegendo-se deputado em 2002. Quatro anos depois, conseguiu retornar aos holofotes ao eleger-se governador. Com uma gestão austera, marcada por políticas de corte de gasto e ajuste das contas, ele atingiu uma popularidade recorde na capital do país. Arruda tornou-se a maior expressão política do DEM, chegando a ponto de ser cotado como um dos principais candidatos a uma futura Vice-Presidência em uma chapa de oposição encabeçada pelo PSDB nas eleições de 2010. Na sexta-feira passada, a trajetória do governador girou 180 graus. Agentes da Polícia Federal realizaram buscas na residência oficial, na sede do governo, em gabinetes de secretários e deputados distritais, numa operação batizada com o sugestivo nome de Caixa de Pandora. Descobriu-se algo realmente terrível, embora nada surpreendente: a existência de um grande e milionário esquema de corrupção. O próprio Arruda foi gravado conversando sobre o destino de uma montanha de dinheiro recolhido junto a empresários que prestam serviços ao governo.
O Ministério Público e a Polícia Federal conseguiram convencer um de seus secretários a participar de um programa de delação premiada. Por meses, Durval Barbosa, ex-delegado de polícia que fez carreira de sucesso como arrecadador de dinheiro informal para campanhas eleitorais do PMDB e que ocupava o cargo de secretário de Assuntos Institucionais de Arruda, filmou e gravou tudo o que viu. Em um dos encontros que teve com o governador, Durval discute com ele o destino de 400 000 reais, dinheiro arrecadado de empresários para ser distribuído aos parlamentares da chamada base aliada – uma versão local do notório mensalão dos petistas. Outros 200 000 reais deveriam ser guardados para despesas futuras. Segundo depoimento do delator, as empresas prestadoras de serviço contribuíam para o caixa clandestino com um porcentual calculado sobre cada fatura paga pelo governo. Os repasses seriam em
média de 600 000 reais por mês. Com a ajuda de Durval Barbosa, a PF marcou as notas com uma tinta especial e, na semana passada, foi à casa dos supostos beneficiados em busca das provas da corrupção. Apreendeu 700 000 reais guardados em cofres. Não se sabe ainda se as cédulas apreendidas foram as mesmas marcadas pelos policiais.
José Roberto Arruda ingressou na política pelas mãos do ex-governador Joaquim Roriz – que teve de renunciar ao mandato de senador, em 2007, para não ser cassado por corrupção. Em sua campanha ao governo, em 2006, Arruda rompeu com Roriz. Ao assumir o cargo, porém, manteve vários ex-assessores do antigo governador. Os adversários diziam que Arruda herdou também o esquema de corrupção de Roriz. A abertura da caixa de Pandora do Distrito Federal vai revelar se isso é verdade. A operação tem efeito direto sobre o resultado das eleições do ano que vem. Arruda, candidato à reeleição, lidera com folga as pesquisas de opinião. Em segundo lugar aparece exatamente o ex-governador Joaquim Roriz, que, esbanjando ironia, comentou a investigação sobre a administração de seu sucessor: "Nunca imaginei que pudesse haver corrupção no governo Arruda. É lamentável".
Fontes da polícia confirmam que as investigações podem aniquilar também as pretensões de Joaquim Roriz. Isso depende do que Durval Barbosa se dispuser a contar em juízo. O ex-secretário de Arruda comandou durante anos uma estatal, e comenta-se que ele possui um baú enorme de provas contra metade dos políticos da capital. O caso é tão complexo que o DEM, o partido do governador, não divulgou sequer a tradicional e burocrática nota de solidariedade a Arruda, preferindo manter o silêncio. O governador também preferiu não se manifestar oficialmente. Seus assessores informaram que ele espera ter acesso ao inquérito para, só depois, comentar o caso. "Ele vai revelar como funciona a política em Brasília", diz um de seus assessores. Arruda, a fênix que ressurgiu do episódio do painel de votações, pode estar empreendendo outro mergulho rumo às cinzas.
DELAÇÃO PREMIADA |