O Globo - 05/11/2009 Muitos empresários brasileiros veem a entrada da Venezuela no Mercosul como enorme oportunidade de negócios. Sabe como é: Chávez está sempre de bronca com os EUA e a Colômbia, mas ainda depende economicamente desses dois países; Chávez é amigão de Lula e pode perfeitamente dirigir a contratação de mais obras, serviços e importações para companhias brasileiras.
Simplificação? Então, por que não vimos esses mesmos empresários discutindo as regras de adesão da Venezuela? Aliás, nem o governo brasileiro, nem o Congresso discutiram. É um caso inédito em que um país é admitido numa união aduaneira sem especificar como e em que prazo vai adequar os seus sistemas comerciais e financeiros às normas do bloco.
Por exemplo: existe lá um sistema de câmbio administrado pelo governo, com diferentes cotações do dólar. O dólar para importações permitidas pela administração é mais barato. Mas, para comprar, a empresa precisa explicar para que quer a moeda e ainda assim entra numa fila do Banco Central.
Ou seja, os burocratas de Chávez escolhem quem leva o dólar baratinho.
Alguém aqui exigiu que o pagamento de importações seja regulado por normas objetivas? Recentemente, o risco ocorreu. Várias empresas brasileiras estavam há meses sem receber de seus clientes venezuelanos. Foram à Justiça? Nada. Fizeram a queixa chegar ao presidente Lula, que enviou uma carta a Chávez solicitando que ele quebrasse esse galho.
Eis o ponto, o governo Lula é prónegócios.
Empresários, em qualquer lugar do mundo, gostam muito disso.
Do que eles não gostam muito, embora digam o contrário, é de mercado livre e competição.
São dois modelos de capitalismo, o pró-negócios e o pró-mercado. Armínio Fraga, em recente entrevista ao “Valor Econômico”, registrou essa diferença, citando o artigo “Capitalismo depois da crise”, de Luigi Zingales, publicado na “National Affairs”.
O mercado: o império da lei igual para todos, respeito à propriedade privada, meritocracia, pelo que a pessoa bem-sucedida leva os resultados de sua atividade ou empreendimento, assim como a que se deu mal paga a conta.
Pró-negócios: só prosperam se estiverem sob a guarda protetora do Estado, o que pode ser feito via financiamento subsidiado, redução de impostos dirigida, injeção de capital da parte do governo ou de empresas estatais, encomendas e, ao fim, a pressão direta do presidente da República na gestão das companhias.
Isso explica as alianças em torno do governo Lula. Durante a votação do caso Venezuela na Comissão de Relações Exteriores no Senado, havia por ali manifestações das organizações de esquerda, em campanha pelo socialismo bolivariano. Dentro, a causa tinha a vigorosa defesa do senador Romero Jucá, do PMDB sempre governista, com carreira política e empresarial em torno do Estado, dos cargos e dos financiamentos.
Socialismo e negócios especiais, como podem estar juntos? Só com alguém fazendo o papel de bobo — e não é Jucá, nem o PMDB, nem o pessoal dos negócios.
A esquerda de verdade deixou o PT e o governo. A que ficou se contenta com uma diplomacia com retórica de Terceiro Mundo e apoio real a ditaduras ditas anticolonialistas. Internamente, se satisfaz com o Bolsa Família, com o avanço da estatização e com a proteção ao MST e outras organizações que vivem de dinheiro do governo.
Assistência social mais empresas públicas e controle estatal de companhias privadas, inclusive via fundos de pensão de estatais, eis o modelo. Tirante o MST, o general Geisel, por exemplo, aceitaria todo o resto.
As centrais sindicais, todas, inclusive as que viviam de combater o PT e a CUT, aceitaram o dinheiro e os cargos no governo e nas empresas que querem ou precisam agradar a Brasília.
Mesmo as empresas que, em tese, não gostariam do modelo, acabam buscando os favores. É que um grande esforço de competitividade pode ser eliminado com uma redução de impostos para a concorrência.
Acrescente aí o gasto público cada vez maior com as clientelas e se tem o capitalismo de Estado. Vai bem quando o mundo ajuda. Mas espalha ineficiências e corrupção, tanto no setor público quanto no privado. Preço para o futuro.
Muitos empresários brasileiros veem a entrada da Venezuela no Mercosul como enorme oportunidade de negócios. Sabe como é: Chávez está sempre de bronca com os EUA e a Colômbia, mas ainda depende economicamente desses dois países; Chávez é amigão de Lula e pode perfeitamente dirigir a contratação de mais obras, serviços e importações para companhias brasileiras.
Simplificação? Então, por que não vimos esses mesmos empresários discutindo as regras de adesão da Venezuela? Aliás, nem o governo brasileiro, nem o Congresso discutiram. É um caso inédito em que um país é admitido numa união aduaneira sem especificar como e em que prazo vai adequar os seus sistemas comerciais e financeiros às normas do bloco.
Por exemplo: existe lá um sistema de câmbio administrado pelo governo, com diferentes cotações do dólar. O dólar para importações permitidas pela administração é mais barato. Mas, para comprar, a empresa precisa explicar para que quer a moeda e ainda assim entra numa fila do Banco Central.
Ou seja, os burocratas de Chávez escolhem quem leva o dólar baratinho.
Alguém aqui exigiu que o pagamento de importações seja regulado por normas objetivas? Recentemente, o risco ocorreu. Várias empresas brasileiras estavam há meses sem receber de seus clientes venezuelanos. Foram à Justiça? Nada. Fizeram a queixa chegar ao presidente Lula, que enviou uma carta a Chávez solicitando que ele quebrasse esse galho.
Eis o ponto, o governo Lula é prónegócios.
Empresários, em qualquer lugar do mundo, gostam muito disso.
Do que eles não gostam muito, embora digam o contrário, é de mercado livre e competição.
São dois modelos de capitalismo, o pró-negócios e o pró-mercado. Armínio Fraga, em recente entrevista ao “Valor Econômico”, registrou essa diferença, citando o artigo “Capitalismo depois da crise”, de Luigi Zingales, publicado na “National Affairs”.
O mercado: o império da lei igual para todos, respeito à propriedade privada, meritocracia, pelo que a pessoa bem-sucedida leva os resultados de sua atividade ou empreendimento, assim como a que se deu mal paga a conta.
Pró-negócios: só prosperam se estiverem sob a guarda protetora do Estado, o que pode ser feito via financiamento subsidiado, redução de impostos dirigida, injeção de capital da parte do governo ou de empresas estatais, encomendas e, ao fim, a pressão direta do presidente da República na gestão das companhias.
Isso explica as alianças em torno do governo Lula. Durante a votação do caso Venezuela na Comissão de Relações Exteriores no Senado, havia por ali manifestações das organizações de esquerda, em campanha pelo socialismo bolivariano. Dentro, a causa tinha a vigorosa defesa do senador Romero Jucá, do PMDB sempre governista, com carreira política e empresarial em torno do Estado, dos cargos e dos financiamentos.
Socialismo e negócios especiais, como podem estar juntos? Só com alguém fazendo o papel de bobo — e não é Jucá, nem o PMDB, nem o pessoal dos negócios.
A esquerda de verdade deixou o PT e o governo. A que ficou se contenta com uma diplomacia com retórica de Terceiro Mundo e apoio real a ditaduras ditas anticolonialistas. Internamente, se satisfaz com o Bolsa Família, com o avanço da estatização e com a proteção ao MST e outras organizações que vivem de dinheiro do governo.
Assistência social mais empresas públicas e controle estatal de companhias privadas, inclusive via fundos de pensão de estatais, eis o modelo. Tirante o MST, o general Geisel, por exemplo, aceitaria todo o resto.
As centrais sindicais, todas, inclusive as que viviam de combater o PT e a CUT, aceitaram o dinheiro e os cargos no governo e nas empresas que querem ou precisam agradar a Brasília.
Mesmo as empresas que, em tese, não gostariam do modelo, acabam buscando os favores. É que um grande esforço de competitividade pode ser eliminado com uma redução de impostos para a concorrência.
Acrescente aí o gasto público cada vez maior com as clientelas e se tem o capitalismo de Estado. Vai bem quando o mundo ajuda. Mas espalha ineficiências e corrupção, tanto no setor público quanto no privado. Preço para o futuro.