O GLOBO 05/04/2009
No domingo passado, citei aqui a frase de meu amigo e conterrâneo Zecamunista que hoje uso como título.
Ele de fato diz isso, como eu também digo, nas conversas intermináveis havidas com amigos desde a juventude, quando nos ocorre a felicidade de revê-los. Coroas meio ou bastante chatos, compreendemos quando os mais novos nos cumprimentam com a possível afabilidade, depois mantendo prudente distância.
Portanto, a maior parte de nossas conversas não passa mesmo do papo de dois velhotes irresignados e rezinguentos, que não sai, e geralmente não deve ou não precisa sair dali, pois costuma ser algo sem o qual ou com o qual tudo permanece tal e qual, como sentenciava minha avó Pequena Osório, a respeito de meus livros.
Mas, no caso, quando estamos ameaçados de ver consagrada nas leis do país a divisão do povo brasileiro entre raças, acho que devemos fazer o nosso papo transcender os limites do Largo da Quitanda, a ágora da Denodada Vila de Itaparica, onde hoje vultos menores, como Zeca e eu, ocupam com bem pouco brilho o lugar de tribunos da plebe legendários, como Piroca (Piroca é um apelido para Pedro, no Recôncavo Baiano; não tem nada demais, é um fenômeno que atinge o nome “Pedro” de forma curiosa; quer ver, pergunte a um amigo americano o que quer dizer peter, com P minúsculo) e Zé de Honorina, este negro pouco misturado com branco, aquele mulato.
Zé, aliás, um dos homens mais inteligentes, argutos e eloquentes que já conheci — e cito o que se segue como um dado interessante — não tinha muita noção de que era negro e uma vez me pediu explicações sobre “negritude” e “irmandade” entre negros, conceitos que lhe eram pelo menos parcialmente estranhos.
Mas vou deixar de nariz de cera e de vaselina, porque creio que o assunto merece ser tratado na grossura mesmo, como vem sendo por muita gente, em todas as faixas de opinião.
Quem tem raça é cachorro (em inglês, breed, não race), gente não tem raça. Não vou repetir, porque qualquer um com acesso ao Google pode se encher de dados sobre isto, os argumentos científicos que desmoralizam a raça como um conceito antropologicamente irrelevante e equivocado, sem apoio algum entre os que estudam a genética humana. Entretanto, o atraso da espécie (ou raça) humana leva a que continuemos a lhe emprestar importância desmedida e irracional, odiando por causa dele, matando por causa dele e até ameaçando o planeta por causa dele. De qualquer forma, incorporando o conceito de raça a seu sistema jurídico, o Brasil estará dando um ridículo (mas de consequências possivelmente temíveis, ou no mínimo indesejadas) passo atrás, mais ou menos como se o Ministério da Saúde consagrasse a geração espontânea de micro-organismos como fonte de infecções.
Mais ridículo e até grotesco é que os defensores do reconhecimento das “raças” que compõem a povo brasileiro façam isso depender de uma declaração ou opção da pessoa racialmente classificada, até mesmo em circunstâncias nas quais essa opção pode não ser honesta, mas apenas de conveniência, como nos casos, já acontecidos, de gente que se considerava branca declarar-se negra para obter a vaga destinada a um “negro”. Ao se verem num mato sem cachorro para definir a raça de alguém, exceto copiando manuais nazistas e tornando Gobineau e Gumplovicz autores básicos para a formação de nossos cientistas sociais, médicos, dentistas, músicos, atletas e profissionais de outras áreas onde as diferenças de aptidão ou fisiologia são “visíveis”, assim como era visível a superioridade dos atletas de Hitler que o negro Jesse Owen botou num chinelo, os defensores de cotas raciais se valeram desse recurso atrasado, burro, grotesco e patético em sua hipocrisia básica. Não há como defender critério tão estapafúrdio e destituído de qualquer fundamento.
Outra coisa chata, enquanto vemos o Brasil querer botar na letra da lei, o que outros países onde houve e há até mesmo apartheid, como nos Estados Unidos, não só de ontem como ainda de hoje, apesar do presidente Obama, fazem força para retirar, é a persistência do que eu poderia chamar de síndrome de Mama África, contra a qual quem eu mais vejo protestar são escritores amigos meus de países africanos, que não aguentam mais ser embolados num mesmo pacote como “africanos”, transformando em folclore disneyano a enorme complexidade cultural de um continente como a África. Burrice falar em “cultura africana”, “comida africana” e similares, em vez de pluralizar essas entidades, porque são plurais. Além disso, nada mais racista e simplório do que achar que os negros são “irmãos”. Os negros são tão irmãos entre si quanto os europeus entre si, ou seja, irmãos em Cristo, tudo bem. Mas o racismo contra si mesmos de muitos que se acham negros insiste em que há essa irmandade. Documentos escravagistas do Segundo Império, no Brasil, recomendavam que se mantivessem escravos de nacionalidades diversas na mesma senzala, porque muitos se odiavam ou desprezavam entre si mais do que ao opressor. Quem já viu um alemão racista olhar um polonês (eslavo, que curiosamente tem a mesma origem que “escravo”) sabe o que estou dizendo. Desumaniza-se o negro, tornando-o imune à baixeza de seus companheiros de humanidade (mas não de raça). Isto, claro, é outra asnice desmentida pelos fatos ontem e hoje. Ontem, quando mercadores negros de escravos vendiam outros negros por eles mesmos escravizados; hoje, quando negros continuam a escravizar negros e a guerrear entre si, exatamente como os homens de outras raças, o que lá seja isso, desgraça de atraso de vida na cabeça das pessoas, triste exemplo de um país misturado pela graça de Deus querer jogar no lixo esse dom inestimável e irreproduzível, “modernizandose” pela condenação por vontade própria ao que a História não o condenou.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2009
(3759)
-
▼
abril
(350)
- Editoriais
- Sangria mal atada Dora Kramer
- Polarização Merval Pereira
- Balanço das horas - Mírian Leitão
- Educação para a pobreza: Rolf Kuntz
- Desastre político : Carlos Alberto Sardenberg
- Clipping de 30/04/2009
- Serra ataca os juros Celso Ming
- O dólar furado Demétrio Magnoli e Gilson Schwartz
- Clipping de 29/04/2009
- Editoriais
- Obama e seus primeiros 100 dias Celso Ming
- Novos juros Panorama Miriam Leitão
- Uma crise pior que a da economia mundial José Nêum...
- Obsessão eleitoral Dora Kramer
- Doença e política Merval Pereira
- Reinaldo Azevedo PAIS E FILHOS
- CELSO MING Acabou o pânico. E daí?
- Clipping de 28/04/2009
- Editoriais
- Porcos com asas Vinicius Torres Freire
- Dois fantasmas Míriam Leitão
- Exageros à parte Dora Kramer
- Imagem arranhada Merval Pereira
- Rubens Barbosa,A CÚPULA DE OBAMA
- Clipping de 27/04/2009
- Controle cultural socialista Ipojuca Pontes
- A batalha das previsões Carlos Alberto Sardenberg
- Editoriais
- Enrolação que não cola mais JOÃO UBALDO RIBEIRO
- O voo cego de Lula na crise Suely Caldas
- FERREIRA GULLAR A sociedade sem traumas
- DANUZA LEÃO Brincando com fogo
- Editoriais
- Ação estatal evitou pânico no Brasil Vinicius Torr...
- O Copom afia a tesoura Celso Ming
- Da necessidade à virtude Rubens Ricupero
- Risco democrático Panorama Econômico :: Míriam Leitão
- Banzé no Centro-Oeste Dora Kramer
- Retrocesso ou sintonia? Merval Pereira
- Reforma política volta à pauta Ruy Fabiano
- O vento sopra e a luz acende Celso Ming
- Editoriais dos principais jornais do Brasil
- Embargo a Cuba! Cesar Maia
- Caminho da China Panorama Econômico :: Míriam Leitão
- Raspa do tacho Dora Kramer
- Crise sem fim Merval Pereira
- Ciro em baixa Fernando Rodrigues
- A República em questão Marco Aurélio Nogueira
- VEJA Carta ao leitor
- Entrevista: Abilio Diniz "O pior da crise já passou"
- Política O Congresso chegou ao fundo do poço, ...
- Partidos As legendas nanicas vendem candidaturas
- Reforma Propostas para melhorar o sistema eleit...
- STF A falta de compostura no tribunal
- Maranhão Como o clã Sarney perpetua a miséria ...
- Crise As forças que mantêm a economia mundial viva
- New York Times A crise do grande jornal americano
- Tortura Relatório divulga técnicas usadas pela CIA
- África do Sul O populista Zuma é eleito presid...
- Medicina Chega ao Brasil aparelho que revolucio...
- MILLÔR
- Radar Lauro Jardim
- Diogo Mainardi Vamos cair fora
- J.R. Guzzo Esperar para ver
- O presente que Chávez deu a Obama
- Pobre George, de Paula Fox
- VEJA Recomenda
- Os livros mais vendidos
- Editoriais dos principais jornais do Brasil
- Vinicius Torres Freire Bancos nacionais secaram o ...
- Juros: entre racionalidade e fetichismo Luiz Carlo...
- Clipping de 24/04/2009
- CELSO MING Alguma melhora
- DORA KRAMER A nau dos insensatos
- MIRIAM LEITÃO Volta do dinheiro
- O liberalismo sobrevive João Mellão Neto
- Embate político Merval Pereira
- Honestidade obrigatória Luiz Garcia
- Problema: humanos CARLOS ALBERTO SARDENBERG
- Editoriais dos principais jornais do Brasil
- MERVAL PEREIRA - Reconciliação difíci
- Clipping de 23/04/2009
- Crime sem castigo Dora Kramer
- O contribuinte paga Celso Ming -
- Alberto Tamer -Recessão vai piorar. Brasil resiste
- A crise e os primos dos americanos Vinicius Torres...
- Longo túnel Panorama Econômico :: Miriam Leitão
- Míriam Leitão Déficit democrático
- Editoriais dos principais jornais do Brasil
- Nenhuma recuperação à vista Paulo Rabello de Castro
- O FMI na contramão dos EUA Vinicius Torres Freire
- ENTREVISTA Joseph Stiglitz
- Clipping de 22/04/2009
- Dora Kramer -Excelências sem fronteiras
- Clóvis Rossi - Até tu , ? Gabeira
- Celso Ming - Ainda falta muito
- Mistificação : Antonio Delfim Netto
- Crise de coluna Roberto DaMatta
- Merval Pereira -Éticas em conflito
-
▼
abril
(350)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA