Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, abril 20, 2009

Afagos diplomáticos e oba-obamismos Marcelo de Paiva Abreu


O Estado de S. Paulo - 20/04/2009

O que revela a autópsia da reunião do G-20 em Londres? Numa ótica global, dadas as expectativas modestas, houve avanço em alguns temas cruciais. Em torno deste núcleo duro de compromissos, ainda que meio nebulosos e envolvendo superposição com promessas anteriores, foram arrolados outros temas cuja menção é politicamente de rigueur em reuniões similares: comércio, clima e tratamento justo das economias menos desenvolvidas. Mais uma vez, foi reafirmado que são temas importantes e merecedores de grande atenção dos governos do G-20...

As duas questões mais importantes abordadas a sério na cúpula foram o aporte adicional de recursos a instituições multilaterais e o esforço coordenado para aprimorar o marco regulatório do sistema financeiro, incluindo disciplinas de abrangência global.

O sucesso quanto à mobilização de recursos adicionais para enfrentar a crise parece indiscutível: aportes adicionais ao Fundo Monetário Internacional (FMI), mobilização de Direitos Especiais de Saque, aportes a bancos multilaterais de desenvolvimento e agências de financiamento de comércio exterior somam US$ 1,1 trilhão. É claro que a operacionalização de tais compromissos envolverá dificuldades substanciais, mas o balizamento para ações de sustentação da demanda está delineado.

Em relação à construção de um marco regulatório multilateral, os circunlóquios no texto de declaração foram insuficientes para ocultar as grandes diferenças entre big players, como Estados Unidos, China e França, tanto em relação à conciliação de interesses nacionais e globais no novo marco regulatório quanto à aceitação de critérios de aplicação não controvertida para caracterizar "jurisdições não cooperativas", ou seja, paraísos fiscais.

Para o Brasil os resultados da reunião de 2 de abril foram desapontadores, não obstante o oba-obamismo que caracterizou boa parte das avaliações que tenderam a confundir espuma com resultados concretos. Na fotografia oficial dos chefes de Estado que compareceram ao jantar oferecido pela rainha, o presidente Lula foi colocado pelo protocolo imediatamente à esquerda de Elisabeth II, com Gordon Brown à direita. Barack Obama efetivamente disse: "Este é o cara..., é o político mais popular do planeta." Depois continuou: "É por ser boa pinta." O vídeo da BBC mostra que Lula, espertamente, não responde e parece suspeitar de que "esse cara está de brincadeira..."

A posição protocolar nas fotografias oficiais e os comentários simpáticos e brincalhões de Obama deram margem a comentários não muito ponderados sobre a importância crescente do Brasil no cenário mundial. Mesmo em arraiais de esquerda radical as referências de Obama, presidente da potência imperial, foram de algum modo interpretadas positivamente. Elogio, até do diabo vale. Desde a reunião, incontáveis matérias e caricaturas especularam sobre quão enciumado estaria Fernando Henrique Cardoso com a proeminência de Lula.

O vezo nacional por plumas e espumas - um travo de vaidade misturada com ingenuidade - é algo percebido pelos nossos parceiros que tentam explorá-lo em seu benefício. Tal fraqueza era percebida até mesmo no caso de estadistas mais circunspectos. Em 1941, por exemplo, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill instruiu o Foreign Office a adotar como pilar da política britânica para o Brasil: "Acariciar Vargas", "petting Vargas" (minuta de 27/10/41, Arquivos do Foreign Office, FO 371, General Correspondence: Political, A8705/190/6). Barack Obama é certamente mais simpático e habilidoso, mas a tecla parece familiar.

Há abordagens analíticas menos dependentes de, literalmente, "ficar bem na foto", para avaliar o Brasil no G-20. Não cabe qualquer dúvida quanto à posição de Lula como representante destacado das economias emergentes no foro do G-20. É fruto da combinação do sucesso de sua carreira política - misturando pertinácia, argúcia e capacidade de negociação - com, ironicamente, boa gestão da herança de políticas macroeconômicas prudentes que lhe foi legada pelo governo anterior.

Mas o que mais interessa não é simplesmente constatar o crescente peso de Lula no cenário internacional. É avaliar em que medida essa influência está sendo utilizada para alcançar os objetivos da política externa brasileira.

Antes de Londres, o discurso presidencial recente concentrou-se na denúncia do protecionismo. O G-20, na declaração após a reunião de Washington, em novembro de 2008, havia explicitado que faria os melhores esforços para viabilizar a Rodada Doha até o final de 2008. Compromisso renegado. Em Londres, a ênfase brasileira centrou-se, de novo, em assegurar a conclusão da Rodada Doha. Mas a declaração final não foi além da repetição de que haverá esforço para não aumentar a proteção e que concluir a rodada "em bases ambiciosas e equilibradas" permanece um objetivo central. Não é convincente a justificativa de que o avanço foi possível porque a administração Obama não preencheu cargos cruciais para viabilizar a negociação. A demora em preencher cargos pode ser interpretada como explicitação da baixa prioridade do tema na agenda atual dos Estados Unidos.

A ótica substantiva que poderia levar a uma avaliação otimista da reunião de Londres estaria relacionada às pretensões do Brasil em relação ao Conselho de Segurança da ONU - teimosa reivindicação do Itamaraty, cuja racionalidade continua discutível. No mais, espuma e afagos. No ego do presidente e no País.

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