Economia
Um tijolo voador
A economia mundial só está conseguindo voar
impulsionada pelo maior estímulo financeiro desde a
II Guerra Mundial. São 12 trilhões de dólares até agora.
O drama é saber se ela ganhará asas e voará por conta
própria quando os trilhões de ajuda dos governos cessarem
Benedito Sverberi
Montagem sobre fotos de Istockphotos e Corbis |
Até o início deste ano, a economia mundial assemelhava-se a um tijolo em queda livre. Todos os indicadores que aferem a saúde da atividade industrial e comercial sinalizavam para baixo. Mas, nos últimos dias, despontaram evidências de que a fase mais tenebrosa da crise, desencadeada pela derrocada do banco americano Lehman Brothers em setembro, talvez tenha ficado para trás. Um bem-vindo sopro de esperança começou a ser sentido. Diversos bancos que estiveram no epicentro da turbulência voltaram a obter lucros. Existem também sinais de que cessou a queda abrupta no fluxo de mercadorias no comércio internacional. Segundo um índice calculado pelos economistas do J.P. Morgan, a atividade manufatureira global atingiu em março seu maior nível desde outubro de 2008, depois de uma sequência de três altas mensais. Um reflexo disso é a recuperação nas bolsas de valores. São notícias reconfortantes, mas ainda é cedo para afirmar que o planeta já saiu do fundo do poço. As fragilidades que minaram a estrutura das finanças planetárias mal começaram a ser restauradas. Além disso, a economia mundial ainda não se encontra em condição de voar com asas próprias. O tijolo só deixou de afundar, em grande medida, por causa dos recursos que estão sendo despejados pelo governo dos países ricos, sobretudo os Estados Unidos. Estima-se que esse esforço inédito já alcance 12 trilhões de dólares.
A primeira razão que impede a economia de avançar de maneira autossustentável está nos grandes bancos internacionais. Afirma o professor de Harvard Kenneth Rogoff: "Parece que os governos conseguiram retirar do radar o pior cenário, que seria o de uma depressão econômica – ou ao menos o varreram temporariamente para baixo do tapete. Isso se deveu à ação agressiva de alguns países, particularmente Estados Unidos e China. Mas ainda há riscos latentes no setor bancário". Apesar da melhora recente, as instituições financeiras ainda correm o risco de lidar com perdas gigantescas. De acordo com novas estimativas, divulgadas na semana passada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o rombo nas instituições financeiras dos Estados Unidos, da Europa e do Japão deverá ultrapassar 4 trilhões de dólares. Até o momento, apenas um quarto desse buraco foi oficialmente reconhecido. "O fator determinante para a retomada da atividade econômica mundial será o ritmo de progresso no restabelecimento da saúde no sistema financeiro global", afirmou o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard. Os Estados Unidos estão à frente nesse processo e já conseguiram recapitalizar significativamente seus bancos. Ainda que o plano comece a surtir efeito, sua execução não tem sido fácil. Afora as críticas por usar dinheiro público no resgate de bancos em apuros, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anda agora às voltas com vinte inquéritos criminais, além de seis auditorias, que investigam supostas irregularidades no pacote de estabilização financeira. Há suspeita de desvios de recursos, dizem os promotores.
Tim Sloan/AFP |
SOB PRESSÃO Tim Geithner, secretário do Tesouro americano: suspeita de fraudes no plano de resgate financeiro |
As maiores fontes de preocupação, entretanto, agora se concentram na Europa. Além de tradicionalmente lentos na tomada de decisões, os países mais ricos da região estão sob a ameaça de encarar pesadas perdas com os empréstimos que fizeram às antigas nações comunistas do Leste Europeu – até aqui, as mais atingidas pela crise financeira. Segundo o FMI, Áustria, Alemanha e Itália são as mais vulneráveis no caso de um agravamento na crise em países como Hungria, Letônia e Albânia. "O Banco Central Europeu vem agindo com muita timidez. Parece não ter senso de urgência. Precisa imprimir mais dinheiro", afirmou a VEJA o economista Roberto Rigobon, professor da Sloan School of Management, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). "Além disso, países como Áustria e Espanha estão em uma posição delicada, mas não têm feito praticamente nada para dirimir os efeitos da crise." Completa Rogoff: "Não há dúvida de que a Europa é a área mais problemática no momento. Suas debilidades financeiras parecem ser ainda mais profundas que as americanas".
A simples possibilidade de uma queda em cadeia de economias importantes na Europa já bastaria para dissuadir o maior dos otimistas a decretar o fim da crise. Além disso, de acordo com estimativas do FMI, a economia global deverá registrar em 2009 sua primeira retração desde a II Guerra Mundial. E, mesmo que a atividade comece a se recuperar mais acentuadamente no fim do ano, como se imagina, o desemprego permanecerá elevado por um bom tempo na grande maioria dos países. A efetiva (e real) retomada da economia dependerá do momento em que a demanda artificial do governo for substituída pelos gastos naturais do próprio setor privado, diz o economista indiano Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI e professor da escola de negócios da Universidade de Chicago. "Em situações normais, quando não há crise de confiança, espera-se que o capital venha do setor privado. Enquanto isso não volta a ocorrer, no entanto, o dinheiro terá de vir dos cofres públicos", afirmou Rajan a VEJA. "O ideal seria que o capital necessário aos bancos viesse de investidores privados. Os bancos irresponsáveis, que assumiram riscos indevidos, deveriam ir à falência. Mas no momento o setor público representa a única fonte de recursos, e a falência de alguns bancos agora elevaria ainda mais os riscos no sistema bancário."
O colapso financeiro revelou que muitos economistas fizeram barbeiragens demais nos últimos anos, ao tomar riscos em excesso e menosprezar a possibilidade de um crash global. Por outro lado, o relativo sucesso do esforço de estabilização econômica (ao menos nos países em que essa ação é mais efetiva) comprova que eles também souberam tirar lições fundamentais ao estudar turbulências financeiras e econômicas do passado, principalmente a Grande Depressão da década de 30. Mas uma crise nunca é idêntica a outra, e por isso não se pode dar a batalha como vencida. Resta muito a ser feito, principalmente na Europa. Ao menor descuido, o tijolo poderá voltar a perder altitude.
COM REPORTAGEM DE LUÍS GUILHERME BARRUCHO