Durante os dois primeiros séculos, a Coroa portuguesa havia construído na colônia brasileira um sistema econômico peculiar, mistura de escravidão com capitalismo comercial. Baseado na produção do açúcar, uma mercadoria extremamente valiosa no mercado europeu, a grande propriedade abrigava o engenho fabril. Junto, o coronel do açúcar.
Tal economia ocupou a Zona da Mata nordestina, principalmente o litoral de Pernambuco, Bahia e Alagoas. Seja nas entranhas dos canaviais, seja no agreste, mais seco e recuado, originava-se a pequena propriedade rural, produzindo comida barata, carnes, cereais e mandioca, para o trabalho no latifúndio. Começava também a devassa da Amazônia.
Mas as transformações do modo de produção europeu, que iniciava a superação do feudalismo, provocaram mudanças no mercantilismo. Portugal, até então impoluto, sofria a concorrência da Holanda e da Inglaterra. Outras colônias lançaram seu açúcar no mundo. Desde 1640 a economia açucareira perdia seu brilho e no final daquele século entraria em crise.
A mineração, por sorte, vingou exatamente nesse momento. Os primeiros achados de ouro na Serra do Espinhaço, região onde hoje se localiza Ouro Preto, ocorreram em 1696. Imediatamente os aluviões amarelados atraíram a população, aturdida com a decadência da economia nordestina. Com a mineração, escreve Nelson Werneck Sodré, a colônia adquiria uma segunda dimensão.
Durante três quartos de século, o ciclo das Minas Gerais iria polarizar as atenções da colônia brasileira. Sua rápida supremacia afundou as demais atividades econômicas. Um imenso território, até então desabitado, povoou-se com um quinto da população da época. Mudava o eixo da colônia, trocava o centro político. Em 1763 a capital se deslocou de Salvador para o Rio de Janeiro.
Caio Prado Júnior, outro grande historiador, aponta uma diferença fundamental dessa nova fase: ao contrário da agricultura, no período anterior, a mineração foi submetida, desde o seu início, a uma rigorosa disciplina pela Coroa. Logo em 1702 se impôs o Regimento dos Superintendentes, Guardas-Mores e Oficiais Deputados para as Minas de Ouro, regulamento básico que iria perdurar até o fim da época colonial.
Aqui nasce a história de Tiradentes. O sistema estabelecido pela Coroa exigia um tributo - o quinto, sobre todo o ouro extraído - arrecadado pela Intendência de Minas. Mas, encontrado facilmente nas areias sedimentares, e não incrustado nas pedras, como noutros mundos, o ouro era ladinamente desviado do fisco. Como se procedeu para enfrentar o problema?
Simples. Estabeleceu-se, nas capitanias minerárias, uma cota anual mínima para o quinto, estabelecido em cem arrobas de ouro. Se, porventura, o quinto arrecadado não atingisse esse valor, a Fazenda Real mandava realizar um derrame, quer dizer, a população envolvida era obrigada a completar a soma. Obviamente, ninguém gostava disso.
Na ascensão do ciclo do ouro, incluindo seu apogeu, por volta de 1750, o pagamento do quinto e, quando imposto, do derrame foram bem suportados. Afinal, havia riqueza para todos, exceto, claro, para os escravos das minas. Quanto, todavia, o sistema de exploração dava mostras de decadência, os derrames provocaram movimentos contestatórios dos comerciantes e da população em geral. Foi o que aconteceu em 1789.
Sabedores de que se programava um novo derrame, necessário para saldar uma dívida de 538 arrobas de ouro, os conspiradores, liderados por Tiradentes, organizaram um levante contra o momento da cobrança. Não executaram, porém, o seu plano. Delatados por Joaquim Silvério dos Reis, foram presos os inconfidentes. Após três anos de prisão, julgado culpado de traição contra o rei, Tiradentes acabou enforcado.
Passado o trauma da revolta, e selado definitivamente o fim do ciclo do ouro, como num movimento circular voltava a agricultura brasileira a se rejuvenescer, após o período sombreada pela mineração. Desse momento em diante, porém, o açúcar estaria acompanhado por duas outras mercadorias, a estimular a exploração do solo: o algodão e, logo depois, o café.
Em 1787 surgia na Inglaterra o tear mecânico. Ofertando matéria-prima para os novidadeiros tecidos, desde o Maranhão até o Paraná a cultura algodoeira se expandiu fortemente. Enquanto o açúcar se recuperava no Nordeste, a branca fibra gerava empregos e renda nas novas regiões. Mas seria o café quem iria alterar a cara do País.
A partir das encostas do Rio de Janeiro, onde se instalou no início de seu ciclo, o cafezal caminhou para o oeste seguindo as montanhas onduladas do Vale do Paraíba. Adentrou as terras roxas de Campinas e, já passados meados do novo século, estabeleceu-se nas planícies de Ribeirão Preto. O ouro verde construía, em São Paulo, a nova História do Brasil.
Nesse momento, após um século, Tiradentes virou herói nacional. Acontece que o Império o manteve um personagem obscuro, pois, afinal, fora dona Maria I, avó de Pedro I, quem emitira sua sentença de morte. Os ideólogos da Independência, ao contrário, mitificaram-no, para identificá-lo com o ideal republicano. Mais tarde colocaram barba na imagem de Tiradentes para sugerir ao povo, à beira do cadafalso, de camisolão, a imagem de Cristo. Puxa, do que não é capaz a política!
Derrama não se prevê, hoje em dia, para enfrentar esta crise. Pudera! Na economia atual o "quinto" ultrapassa o "terço", os impostos chegando às alturas. Também passou a época dos enforcamentos. Mas cuidado. Sempre tem gente querendo fabricar novos heróis. Barbudos.