FOLHA DE S. PAULO
Erro grosseiro do BC gerou um paradoxo: liquidez no over e no mercado aberto e falta de crédito para o setor produtivo
OS DADOS divulgados pelo IBGE sobre o desempenho do comércio confirmam que a contração dos investimentos, a taxas anualizadas de 45,3% e do PIB de 15,2%, no último trimestre de 2008, foi causada pela paralisia no sistema de crédito. Não foi uma crise típica iniciada pela queda no consumo, aumento nos estoques e consequente ajuste da produção à demanda. As vendas do comércio sofreram ligeira queda no último trimestre do ano nos setores afetados pela contração no crédito, mas em fevereiro já superam o nível de setembro último em 1,5%. A queda nas vendas do comércio está circunscrita a setores dependentes de crédito. Enquanto isso, a produção industrial teve queda de 13,5% no mesmo período. Esses dados são fundamentais para avaliar a estratégia de enfrentamento da crise adotada pelo governo.
Precisamos desfazer um equívoco cometido pela maioria dos analistas que consideram o comportamento da economia brasileira nos últimos cinco meses como um processo normal de ajuste de estoques. Para os estoques aumentarem e provocarem tal contração na produção, é preciso que a demanda final tenha sofrido uma queda, pelo menos similar e inesperada. Isso aconteceu no setor automobilístico, com alguns bens duráveis e com aço e mineração, que dependem de crédito e da demanda externa. Do lado da demanda doméstica, ela continuou elevada, pois a massa salarial ainda vem crescendo 8%. O que os dados mostram é a queda generalizada na indústria e também no setor de serviços, que não acumula estoques.
O que causou a contração foi um erro grosseiro do Banco Central, que não cumpriu sua função básica de prover liquidez para o setor produtivo. Os dados do próprio BC mostram que entre setembro e novembro as concessões de crédito com recursos livres dos bancos sofreram queda de 12,2%; de setembro até fevereiro a queda foi de 23,9%. Por isso, a arrecadação do IOF caiu 26,2% em março deste ano em relação a 2008. A liquidez ainda está "empoçada", e no BC, pois pagando a taxa de juros elevada no overnight, tomou emprestado em fevereiro, diariamente, a média de R$ 100 bilhões do sistema bancário. As aplicações em títulos públicos, no mercado aberto, em operações compromissadas, saltaram de R$ 278,7 bilhões em setembro para R$ 384,4 bilhões em fevereiro. Um paradoxo: liquidez no over e no mercado aberto e escassez de crédito para o setor produtivo.
A política macroeconômica praticada pelo governo está duplamente equivocada. Antes da crise, em vez de fazer uma política fiscal anticíclica para conter a demanda agregada e o déficit em transações correntes que estava se expandindo excessivamente, o governo fazia o contrário.
Com a crise financeira explodindo nos Estados Unidos e a reversão no fluxo de capitais, aumentou a taxa de juros a partir de abril de 2008 para provocar a superapreciação do real, explosão no déficit em transações correntes e alimentar o crescimento da dívida pública.
Depois da crise, em vez de usar o instrumento em que havia folga -redução dos juros e liberação do depósito compulsório-, o BC aciona a política fiscal, onde não tem muito espaço, comprometendo o futuro.
Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).
Erro grosseiro do BC gerou um paradoxo: liquidez no over e no mercado aberto e falta de crédito para o setor produtivo
OS DADOS divulgados pelo IBGE sobre o desempenho do comércio confirmam que a contração dos investimentos, a taxas anualizadas de 45,3% e do PIB de 15,2%, no último trimestre de 2008, foi causada pela paralisia no sistema de crédito. Não foi uma crise típica iniciada pela queda no consumo, aumento nos estoques e consequente ajuste da produção à demanda. As vendas do comércio sofreram ligeira queda no último trimestre do ano nos setores afetados pela contração no crédito, mas em fevereiro já superam o nível de setembro último em 1,5%. A queda nas vendas do comércio está circunscrita a setores dependentes de crédito. Enquanto isso, a produção industrial teve queda de 13,5% no mesmo período. Esses dados são fundamentais para avaliar a estratégia de enfrentamento da crise adotada pelo governo.
Precisamos desfazer um equívoco cometido pela maioria dos analistas que consideram o comportamento da economia brasileira nos últimos cinco meses como um processo normal de ajuste de estoques. Para os estoques aumentarem e provocarem tal contração na produção, é preciso que a demanda final tenha sofrido uma queda, pelo menos similar e inesperada. Isso aconteceu no setor automobilístico, com alguns bens duráveis e com aço e mineração, que dependem de crédito e da demanda externa. Do lado da demanda doméstica, ela continuou elevada, pois a massa salarial ainda vem crescendo 8%. O que os dados mostram é a queda generalizada na indústria e também no setor de serviços, que não acumula estoques.
O que causou a contração foi um erro grosseiro do Banco Central, que não cumpriu sua função básica de prover liquidez para o setor produtivo. Os dados do próprio BC mostram que entre setembro e novembro as concessões de crédito com recursos livres dos bancos sofreram queda de 12,2%; de setembro até fevereiro a queda foi de 23,9%. Por isso, a arrecadação do IOF caiu 26,2% em março deste ano em relação a 2008. A liquidez ainda está "empoçada", e no BC, pois pagando a taxa de juros elevada no overnight, tomou emprestado em fevereiro, diariamente, a média de R$ 100 bilhões do sistema bancário. As aplicações em títulos públicos, no mercado aberto, em operações compromissadas, saltaram de R$ 278,7 bilhões em setembro para R$ 384,4 bilhões em fevereiro. Um paradoxo: liquidez no over e no mercado aberto e escassez de crédito para o setor produtivo.
A política macroeconômica praticada pelo governo está duplamente equivocada. Antes da crise, em vez de fazer uma política fiscal anticíclica para conter a demanda agregada e o déficit em transações correntes que estava se expandindo excessivamente, o governo fazia o contrário.
Com a crise financeira explodindo nos Estados Unidos e a reversão no fluxo de capitais, aumentou a taxa de juros a partir de abril de 2008 para provocar a superapreciação do real, explosão no déficit em transações correntes e alimentar o crescimento da dívida pública.
Depois da crise, em vez de usar o instrumento em que havia folga -redução dos juros e liberação do depósito compulsório-, o BC aciona a política fiscal, onde não tem muito espaço, comprometendo o futuro.
Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).