Para começar, a constatação: Lula deu partida ao processo eleitoral muito antes do prazo convencional - geralmente um ano antes do pleito, quando se fecha o prazo de inscrição de candidatos nos partidos. Qual a razão? A necessidade de tornar conhecida a pré-candidata Dilma Rousseff, dispor de tempo para aferir suas reais possibilidades e articular outro nome caso a ministra não passe no teste do encontro das massas. A estratégia lulista tem se mostrado adequada, até para sufocar a ambição de qualquer outro petista. A chefe da Casa Civil, como fiel aliada, é quem melhor serve ao propósito de Lula de fazer o sucessor, descansar da labuta por um tempo e, quem sabe, voltar a escalar, em 2014, a rampa do Palácio do Planalto. Com o índice de 16,3%, registrado na pesquisa, o avião de Rousseff já decolou, sendo bem provável que chegue aos 20% até o fim do ano. Se entrar com esse patamar no próximo ano, torna-se bastante competitiva.
Mas a competitividade dos candidatos vai depender também das sequelas da crise. Com o faro apurado no contato com as massas, Luiz Inácio é o primeiro a levar em conta os efeitos do que chamou de "marolinha" na campanha de sua escolhida. Não por acaso, começa a construir gigantesco escudo de proteção ao governo, que, na extensão, deverá cobrir de louros a imagem da ministra Dilma: 1 milhão de casas populares (sem prazo para entrega), redução de IPI de carros, caminhões e motos, redução de impostos em 30 tipos de materiais de construção, que significa alívio para contingentes da base e do meio da pirâmide social, e uma agenda pulverizada de inaugurações de obras do PAC. O estoque de popularidade de Lula suporta, ainda, a retirada de boa camada de prestígio. A se comprovar a tese de que o Brasil tende a sair da crise antes das grandes nações desenvolvidas e em situação bem melhor que a deles, é dada como certa a inserção de sua ministra na esfera da viabilidade eleitoral.
Conte-se também para isso o poder de Lula de transferir voto. Nessa última pesquisa, mais da metade dos eleitores diz que votaria em candidato indicado pelo presidente, poder que se mostra mais forte no Nordeste, onde se concentram 28% do eleitorado, mais de 36 milhões de eleitores. Agregue-se à locomotiva lulista o diferencial de imagem: mulher, estampa retocada pelo apuro cosmético do marketing. Na arena adversária, um perfil denso, conhecido nacionalmente, com história de boa performance administrativa. Se for candidato, o governador de São Paulo, José Serra, que lidera as pesquisas, exibindo, hoje, um índice em torno de 45% das intenções de voto, teria a seu favor o favoritismo no Sudeste, que abriga 44% da votação, cerca de 58 milhões de votos. Nesse ponto, convém trazer a grande eleitora - a crise - para o centro do palco. No perímetro São Paulo-Belo Horizonte-Rio de Janeiro, a corrosão em áreas como o emprego sofre impactos contundentes por agregar os maiores polos críticos: as mais extensas classes médias, os mais poderosos contingentes de trabalhadores, as organizações sociais mais ativas, o eco mais retumbante da mídia e os mais numerosos núcleos de profissionais liberais.
Veríamos, em ambiente de crise intermitente, um empuxo racional, saindo da fortaleza crítica do Sudeste e do Sul, esbarrando em ondas mais emotivas que afluem dos cordões marginais do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Nesse ponto, cabe indagar: e se a crise amainar? A escalada da montanha será mais suada para Serra. Se a conta do passado é um alívio para ele, lembremos que Lula ganhou a eleição, em 2002 e em 2008, tendo liderado as pesquisas desde o princípio de 2001 e 2005. Mas em junho de 1994 Lula tinha 39% ante 17% de FHC, que acabou ganhando. A experiência do passado dá esperanças a todos. O traçado de alianças, pesos e contrapesos terá influência no processo. As chances de Serra aumentariam se o bem avaliado governador de Minas Gerais, Aécio Neves, recuando da intenção de ser o candidato tucano, se transformasse em cabo eleitoral e se esforçasse para jogar o segundo maior colégio eleitoral nos braços do companheiro paulista.
Por último, uma inferência sobre a capacidade de Lula de transferir patrimônio eleitoral. Essa hipótese é atestada por pesquisas, mas pleitos passados mostram que não se deve apostar nisso. Lula, apesar de ser "o político mais popular da Terra", como acaba de dizer o presidente Barack Obama, não conseguiu dar a Marta Suplicy, em São Paulo, os votos para elegê-la prefeita em outubro passado. Uma cola mais forte no Nordeste (Dilma Rousseff já virou Dilma do Chefe, podendo ser chamada de Dilma do Lula) propiciaria maior poder de transferência? Por ocasião do arrastão eleitoral, o presidente continuaria com alta aceitação? O índice de felicidade líquida das periferias - com Bolsa-Família e casa popular - poderia suportar com folga eventuais taxas de infelicidade bruta da classe média indignada?
No mais, é olhar para o alto. Céu de brigadeiro será ótimo para o Aerolula levar Dilma nas visitas ao PAC. Céu com nuvens pesadas serve melhor ao piloto Serra.