O GLOBO
Os protestos de deputados, da própria tribuna da Câmara, contra o anúncio da limitação do uso de passagens aéreas exclusivamente ao próprio parlamentar, ou a um assessor devidamente autorizado pela 3aSecretaria, depois de justificada a necessidade de sua presença, mostra que estamos longe de reconciliar nossos ilustres representantes com a opinião pública, que era o principal objetivo do presidente da Câmara, Michel Temer. Já é sintomático que ele explicite com tanta clareza, de maneira cândida, o objetivo da medida, sem admitir que as mudanças nas regras do jogo vão ao encontro do bom senso, e mesmo da legalidade.
Também o Senado aprovou em plenário a mudança das regras, com os mesmo critérios da Câmara. É natural que deputados e senadores, tendo que estar em contato com suas bases eleitorais, tenham passagens para ir aos seus estados uma vez por semana.
É um engano dizer que não houve ilegalidade no mau uso das passagens, pois não havia proibição alguma para que os deputados e senadores utilizassem suas cotas pessoais para viagens de férias, e até mesmo ao exterior.
No período de janeiro de 2007 a outubro de 2008, conforme levantamento feito pelo site Congresso em Foco com base em registros fornecidos pelas companhias aéreas, nada menos que 261 deputados ou 51% do total de 513 usaram as passagens para viagens de lazer ao exterior, quase sempre com parentes.
Alegar, como fez o corregedor da Câmara, deputado ACM Neto, que a mídia está querendo “fechar o Congresso” com as seguidas denúncias, é um equívoco perigoso, que beira a má-fé.
O entendimento generalizado entre os especialistas segue a doutrina de Hely Lopes Meirelles, jurista brasileiro reconhecido como um dos principais estudiosos do Direito Administrativo, que definiu que a diferença entre as entidades pública e a privada é que, enquanto essa última pode fazer tudo o que a lei não proíbe, o ente público só pode fazer aquilo que é expressamente permitido pela lei.
Portanto, não há que se falar em “brechas na lei”, ou que não existe ilegalidade no uso das passagens no passado, como disse ontem Michel Temer, ele próprio um constitucionalista. Podese, sim, chegar a um acordo político para o entendimento de que não houve má-fé dos senhores congressistas, e começar de novo sob novas regras.
Mesmo assim, dificilmente haverá um consenso na opinião pública favorável aos deputados e senadores, que abusaram de suas prerrogativas em benefício próprio.
A má vontade da opinião pública para com suas excelências não permite espaço nem mesmo para medidas que seriam mais lógicas do ponto de vista de administração pública, como nivelar os salários dos congressistas aos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e acabar com os penduricalhos inventados para dar a eles vencimentos sem impostos.
A primeira proposta embutia também manobra política de difícil execução, mas que seria imprescindível: aprovar em plenário a desvinculação dos salários de deputados estaduais e vereadores, pois se não for assim o efeito cascata seria um efeito colateral terrível nas contas dos estados e municípios.
Seria preciso também que a remuneração dos funcionários das duas Casas fosse desvinculada do pagamento dos deputados e senadores, para que esse efeito não se espalhasse pela burocracia legislativa, provocando mais gastos públicos.
A má vontade da opinião pública com seus representantes é tamanha que já existe até um alerta do site “Contas Abertas” sobre as milhagens dos senadores e deputados, fruto das viagens que fazem, mesmo se elas forem limitadas aos seus estados de origens.
Essas milhas são contabilizadas no nome do passageiro, e não de quem paga a passagem, seja o Congresso Nacional, ou uma empresa privada.
É u m a m a n e i r a d e a s companhias de aviação incentivar as viagens sem dar chance aos órgãos públicos e empresas privadas de reduzirem seus custos utilizando as milhas para abater novos gastos.
Esse, no entanto, é um problema que ocorre de maneira generalizada e não teria sentido proibir deputados e senadores de se beneficiarem da milhagem, uma prática universal.
Se houvesse uma maneira de utilizar as milhagens para que a Câmara e o Senado economizem na emissão de passagens, seria favorável à adoção dessa medida, mas receio que nenhuma empresa privada tenha conseguido essa solução, embora muitas já tenham tentado.
Com as novas regras, e a disposição de colocar transparência na prestação de contas desses e de outros gastos, como a verba indenizatória (que pelo visto não vai acabar nunca) e os telefones celulares (cujo custo médio de R$ 6 mil reais por mês é absurdo e tem que ser limitado), superamos momentaneamente mais essa crise de credibilidade do Congresso, que agora terá que se dedicar a trabalhar arduamente para reconquistar a confiança dos cidadãos.
Não adianta esbravejar da tribuna que a democracia brasileira está em perigo com o desprestígio dos políticos, pois o que coloca mesmo em perigo são os abusos perpetrados, e a aposta, que já ficou clara na absolvição da maioria dos “mensaleiros”, de que os eleitores têm memória curta, ou votam por interesses pessoais, não importando o que o deputado ou senador tenha feito de errado.
Quando apostaram, e ganharam, no corporativismo para livrar a maioria dos acusados do mensalão, os políticos brasileiros estavam dando um tiro no próprio pé. E continuam agindo assim, numa marcha cega para o despenhadeiro.
Entrevista:O Estado inteligente
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