O quinto encontro de cúpula, reunindo a totalidade dos presidentes das Américas, a exceção de Cuba, realizada em meados abril em Trinidad e Tobago, marcou uma importante mudança na dinâmica do relacionamento entre a América Latina, o Caribe e os Estados Unidos da América.
Pela primeira vez, em quase dois séculos, os EUA encontraram a região com agenda própria e com um ambiente político e diplomático profundamente diversificado. O próprio conceito de Américas ficou superado, pois, na realidade, a geografia política e econômica hemisférica está claramente dividida em norte, centro e sul-américa, com interesses tão diferentes, quando conflitantes.
Na área econômica e comercial, a gradual perda de interesse do governo e das empresas norte-americanas, abriu espaço para que a América Latina, pudesse, de forma dramática, diversificar as relações externas da região com a China, Rússia, Espanha, Índia e Irã.
Os países da região estão criando mecanismos de coordenação regional que excluem os EUA, como a UNASUL, o Conselho sul-americano de Defesa e o anunciado Conselho para o combate à droga. Sem falar na alternativa bolivariana para as Américas (ALBA), criada para se contrapor aos EUA.
A Cúpula ofereceu o cenário ideal para uma ofensiva de charme e de relações públicas do Presidente Obama. O homem é a mensagem.
É interessante observar a forma como o novo presidente norte-americano conseguiu, em pouco tempo, pela simples mudança de tom e de estilo, restaurar a credibilidade e a boa vontade dos EUA junto à comunidade internacional, desgastadas nos oito desastrados anos de Bush.
Nos primeiros contatos no G- 20, na Europa, na OTAN, com a Rússia, com a China, com o mundo islâmico, na visita a Turquia, com o Irã e agora com os presidentes dos países do hemisfério, Obama mostrou a mesma atitude: em cada reunião disse o que os interlocutores queriam ouvir, fez elogios, distribuiu sorrisos e enfatizou que estava ali para escutar e não para ditar regras. Na Cúpula das Américas, lembrou as ações de força contra países da região para dizer que agora começaria uma nova era nas relações com os EUA. Ofereceu uma parceria de iguais, onde não haveria sócios mais velhos e parceiros mais novos.
Evidentemente, em meio a uma grave crise econômica, gerada em seu próprio país, com repercussão global, e às voltas com duas guerras externas no Afeganistão e no Iraque, sem mencionar os outros graves problemas que envolvem o Paquistão, o Irã, Israel e os Palestinos, Obama encontra claras limitações naquilo que pode oferecer e obter na sua própria vizinhança.
Saber ouvir, liderar pelo exemplo e reconhecer que os outros países também têm interesses a defender são elementos do novo estilo diplomático norte-americano. O que não quer dizer que o interesse nacional vai ser deixado de lado. Obama afirmou que é importante, não só aqui no hemisfério como no resto do mundo, reconhecer que o poderio militar é só um braço do poder de Washington, e que a diplomacia e a ajuda ao desenvolvimento devem ser utilizadas de maneira mais inteligente (smart power).
Nos bastidores, a participação do Brasil parece ter sido ativa para evitar confrontos e chamar a atenção para a necessidade de maior compreensão em relação à Argentina, Bolívia e Venezuela. Nas reuniões públicas, Lula foi mais um figurante que compôs o palco onde brilhou Obama.
Embora as expectativas fossem baixas, o encontro foi importante não pelos temas da agenda (prosperidade humana, segurança energética e sustentabilidade ambiental), mas pela discussão, fora da pauta, sobre o embargo norte-americano a Cuba e sobre o possível fim da suspensão de Havana da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O processo de liberalização da política dos EUA em relação a Cuba foi tema da plataforma de Obama na campanha presidencial e começou logo depois de sua posse. É um processo em marcha que nada tem a ver com a Cúpula, mas é parte da nova política externa americana. Para evitar que o encontro fosse seqüestrado por Cuba, o governo de Washington anunciou, poucos dias antes, medidas para facilitar as visitas, as remessas e o comércio (telecomunicações e agrícola) com Cuba. Não tendo tido êxito nessa estratégia, Obama, de maneira hábil, aproveitou o encontro para anunciar um novo começo para as relações com a Ilha. Encontrou ouvido receptivo em Havana, onde Raul Castro disse estar disposto a conversar sobre todos os assuntos com Washington.
Salvo em relação a Cuba, poucas foram as convergências entre os presidentes. As diferenças são marcantes quanto à luta contra a pobreza, a desigualdade e a exclusão, o papel dos Estados e do mercado na crise econômica, o tratamento dado ao investimento externo, a concepção de democracia e as relações com os EUA.
Apesar do clima cordial, de distensão e de não confrontação, evidenciada pela atitude de Chaves em relação ao presidente americano e aos EUA, as divergências de percepção ficaram evidentes na falta de consenso, pela primeira vez na história das cúpulas, para a assinatura, por todos os chefes de estado, do documento final da reunião. A oposição ao texto, liderada por Chaves e demais presidentes dos países da ALBA, foi resultado, em especial, da ausência de referência sobre o fim do embargo a Cuba e de uma análise critica da crise econômica, além da menção à OEA e da referência positiva sobre biocombusivel.
A dificuldade para definir a sede da quinta cúpula, finalmente realizada em Trinidad Tobago, no Caribe, por pressão de Washington, deve repetir-se para a próxima reunião. No longo documento final (22 páginas e 97 parágrafos), não ficaram registrados nem o local do próximo encontro, nem a data de sua realização.