Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 26, 2009

O voo cego de Lula na crise Suely Caldas

Se anúncio de crédito e lançamento de programa levassem à superação da crise econômica, o Brasil já estaria fora dela há tempos. Desde a falência do banco Lehman Brothers, em setembro, o governo brasileiro não faz outra coisa. A escassez de crédito - primeira fase da crise - foi respondida com anúncios de linhas ora para exportação, ora para a agricultura, setores industriais, pequenas e médias empresas e por aí vai. Funcionou? O que foi feito com esse dinheiro, se é que foi aplicado? Qual foi o resultado para a sociedade? Ninguém sabe.

Então a crise começou a prejudicar a produção e o emprego - sua segunda fase -, e novamente o governo respondeu. Desta vez, adicionando medidas fiscais: reduziu o IPI para a indústria automobilística e agora para motocicletas e alguns eletrodomésticos. O governo arrecadou menos, mas foram vendidos mais automóveis e empregos no ABC paulista foram preservados.

Só que o desemprego se alastrou e foi maior do que o esperado. Segundo o IBGE, entre fevereiro e março, a taxa cresceu de 8,5% para 9%. No final de 2008, o Ministério do Trabalho contabilizou mais de 500 mil empregos perdidos. Ficou claro que o desemprego não é restrito ao ABC paulista e a alguns setores industriais. Está muito mais espalhado e atinge trabalhadores com e sem carteira assinada e no Brasil inteiro, cabendo, portanto, medidas de alcance mais amplo, além do santuário metalúrgico do ABC.

Criados no berço do corporativismo sindical, Lula e seus companheiros parecem não saber lidar com um país de território tão extenso, diverso, complexo, desigual, com graves diferenças regionais e de renda, desenvolvido e atrasado. Daí a sensação de o governo estar sempre correndo atrás de qualquer coisa, desde que seja barulhenta e, quando silenciosa, influente. São as centrais sindicais, entidades empresariais, os sem-terra, fazendeiros, banqueiros e quem mais tiver poder de se organizar e pressionar no grito ou em sofisticados jantares. A ausência de planejamento para uma reforma agrária eficaz é um exemplo. Quem manda é o MST com seus métodos violentos, não o governo, disponibilizando terra a quem dela precisa e quer cuidar.

Para a maioria desorganizada, a outra metade de trabalhadores sem proteção trabalhista, os marginalizados e excluídos, sobram o Bolsa-Família e o discurso vazio, manipulador e demagogo, que não cria empregos, não gera renda nem consumo. E o Bolsa-Família o governo Lula já encontrou pronto. Apenas mudou o nome, ampliou o cadastro e reforçou os recursos.

Nesta crise, as medidas anunciadas pelo governo têm respondido a dois estímulos: a força de seu efeito externo ao chegar ao Brasil e o poder de pressão de lobbies de empresários e trabalhadores. E tem agido a reboque desses dois estímulos. Não atua preventivamente, não planeja ações de maior alcance econômico e social, de combate ao desemprego de todos, e não de grupos, não acompanha a execução de linhas de crédito e programas, não avalia a qualidade e eficácia do uso do dinheiro público nem controla sua aplicação pelo setor privado.

Como não faz nada disso, também não consegue explicar aos brasileiros como tem usado os recursos públicos, não presta contas e não expõe os resultados de suas ações. É uma espécie de voo cego, em que o piloto até pode, mas não sabe mexer nos comandos para conseguir enxergar.

A falta de experiência e preparo técnico do governo Lula para lidar com o País inteiro, e não com grupos, ficou evidente já no início do primeiro mandato, ao tentar romper o gargalo da infraestrutura por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Funcionários dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento, da Casa Civil e do BNDES gastaram muito tempo em reuniões e discussões para preparar um arcabouço legal capaz de atrair investidores privados para as PPPs. Feito isso, não conseguiram elaborar um único projeto de investimento viável e as PPPs morreram, foram esquecidas.

No segundo mandato, o governo tentou recuperar o atraso criando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com pompa e estardalhaço, anunciou investimentos País afora que ultrapassavam a cifra de R$ 500 bilhões. Passados dois anos, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) acaba de divulgar balanço (não desmentido por Lula) informando que o governo federal conseguiu gastar só 28% do orçamento destinado aos projetos do PAC. A rapidez em contratar milhares de novos funcionários, exceder gastos com cartões corporativos, repassar dinheiro público para ONGs e em atender às demandas do presente contrasta com o despreparo técnico em gastar verbas em investimentos e preparar o futuro.

Com a proximidade das eleições - ideia fixa deste governo -, Lula lançou agora o programa habitacional. Tomara que não tenha o mesmo destino dos outros.

A dança das projeções - O presidente Lula e seus ministros ficaram irritados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) por ter revisto sua projeção para a economia brasileira em 2009, estimando uma queda de 1,3% para o PIB.

Paulo Bernardo, ministro do Planejamento, afirmou à Agência Estado que o FMI atua como o mercado financeiro na pesquisa Focus: "Começam com uma projeção conservadora e vão ajustando conforme os resultados de cada mês ou bimestre." E completou: "O governo tem estrutura para acertar mais do que o mercado."

Não é bem assim, ministro. Resistente em aceitar a crise, o governo tem fugido da realidade em suas projeções. Tanto que até dezembro teimava em projetar crescimento de 4% para 2009, depois reduziu para 3,5% e, agora, para 2%. Na contramão da unanimidade dos economistas, o Ministério da Fazenda insistiu em negar recessão técnica neste primeiro trimestre. Diante da proximidade da divulgação dos números pelo IBGE capitulou e, na semana passada, passou a reconhecer que o País está em recessão. Afinal, são projeções técnicas ou políticas?

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
E-mail: sucaldas@terra.com.br

Arquivo do blog