O Congresso tem recursos de comunicação suficientes para se defender de todas as acusações que lhe são feitas. São quatro emissoras de rádio e televisão, sítios na internet, boletins impressos, mais a prerrogativa de convocação de rede nacional. Portanto, nada impede o Poder Legislativo de “dialogar com a sociedade”, como propõe o deputado Ciro Gomes, passando ao largo da “plutocracia e da mídia”.
Se não o fez até agora, ao se completarem exatos 80 dias de escândalos ininterruptos, foi porque não quis, não pôde ou não soube fazê-lo de forma organizada, civilizada e, sobretudo, convincente. Seja qual for o motivo, fato é que o Parlamento se manifesta de maneira cada vez mais desorganizada, refutável e, nas últimas 48 horas, com variações entre a demência e a selvageria.
Fenômeno diverso do ocorrido no Supremo Tribunal Federal (STF), onde os nervos, os temperamentos, os complexos e as vaidades levam magistrados a abrir mão da compostura. Como se o fato de o Judiciário ter sido obrigado, pelos desmandos gerais, a se manifestar além dos “autos” autorizasse também os ministros a liberar em público desavenças pessoais na forma de insultos.
No Legislativo, assistimos à perda da razão coletiva. Em ambos os sentidos: do juízo e do argumento.
A reação à mínima restrição no uso das passagens aéreas suscitou um triste espetáculo de desequilíbrio mental e emocional. Os fatos falam por eles mesmos há 80 dias sem que tenha sido tomada uma única providência eficaz e objetiva contra o abuso nas cotas de telefones, na contratação de funcionários fantasmas, no pagamento irregular de auxílios-moradia, na devolução de horas extras pagas no recesso, na extinção de diretorias inúteis, no nepotismo cruzado; nem mesmo se dá notícia sobre o andamento do processo contra o ex-corregedor Edmar Moreira, por gasto irregular da verba indenizatória.
Esses fatos criaram pernas próprias, caminham sozinhos e descontrolados na proporção direta em que os parlamentares perdem a cabeça. Um perigo, pois nessa batida a população acaba acrescentando à má imagem do Legislativo o diagnóstico de insanidade.
Falam-se as maiores barbaridades a título de defesa do Parlamento sem que seus autores percebam o efeito nefasto dessa autoflagelação à deriva. Alguém, em sã consciência, pode concordar com deputado Silvio Costa quando ele vê risco de dissolução de casamentos porque mulheres e filhos não podem usar as cotas de passagens dos parlamentares para viajar?
E o líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto, vociferando que a imprensa “quer fechar o Congresso”? Irreconhecível. Fernando Gabeira, em sua autocrítica da tribuna por também ter dado passagens à família, acusou a imprensa de retaliar porque o Legislativo não abastece os veículos de comunicação com verbas publicitárias. Escorregou na contradição.
Se as denúncias são fruto de vingança vil– “aqui é possível criticar sem que se seja ameaçado de perder anúncios” –, não têm fundamento. Neste caso, a que “luta” se refere o deputado quando se diz disposto a conduzir uma batalha pela moralização e modernização do Legislativo?
O senador Epitácio Cafeteira exorbita e vê na cobrança por limites na distribuição de passagens de avião um sinal de que “daqui a pouco” os parlamentares serão obrigados a viajar de ônibus, mediante cotas de “vale-transporte”.
Ciro Gomes, então, rompeu de vez relações com as estribeiras porque na listagem de bilhetes apareceu uma pessoa de nome Maria e sobrenome Gomes, citada “possivelmente” como a mãe do deputado Ele nega. Perfeito. Bastaria, pois a notícia não afirmava o parentesco. Não precisaria insultar a tudo e a todos com palavrões que, ditos nas dependências do Congresso em altíssimo som, desmoralizam ainda mais a instituição.
No tempo devido, o Legislativo não ouviu os alertas de que caminhava para o abismo. Insistiu e agora grita. Não por medo de ser fechado, mas por anseio de calar a crítica.
O que é o que é?
O líder do PP na Câmara, Mário Negromonte, lançou uma questão ao debate: “É preciso saber que tipo de parlamentar a sociedade brasileira quer; um deputado bem-remunerado para ser incorruptível ou um que ganhe pouco e vá ao Congresso defender o interesse dos grandes grupos.” Ou seja, para o deputado quem não é bem pago é – ou poderá vir a ser – corrupto.
Embora a Excelência não tenha informado a que categoria pertence, cumpre lhe informar: considerando a existência de outro tipo de gente, políticos inclusive, se consultada a respeito, a “sociedade brasileira” não ficaria com nenhuma das alternativas por ele propostas.
Escolheria poder contar com parlamentares prestadores de bons serviços, cientes de seus deveres, zelosos do bem público. Merecedores de boa remuneração e, no limite da necessidade, de recursos adicionais para o melhor exercício do mandato.