Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 19, 2009

Dora Kramer O silêncio dos mais decentes


O Congresso não tem controles internos, os congressistas rejeitam o controle externo da opinião pública; logo, o Legislativo é um Poder descontrolado.Embora as premissas sejam corretas, a conclusão lógica é apenas teórica. Na prática, o Legislativo é controlado sim: por interesses do Executivo, por força do corporativismo, pelo domínio dos grupos de pressão, pela dinâmica do fisiologismo, pela ótica do privilégio.

Uma série de disfunções cuja origem pode (e deve) ser discutida, mas cujo resultado já é indiscutível: a completa deformação do conceito da representatividade popular. Dificilmente a um cidadão ou entidade ocorre fazer do Congresso um instrumento de transformação, seja do que for: de uma situação específica ou de uma causa coletiva. Esse sentimento nasceu na instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, floresceu cheio de exageros e equívocos por quase dois anos e começou a morrer no fim de 1988, com a promulgação da nova Carta.

O que é hoje o Parlamento? Não é um representante à altura da expectativa dos representados, não é atuante, sequer é um Poder transparente como reza a lenda. É, sim, vulnerável por ter se tornado acessível a interferências de toda sorte, ter aberto gradativamente mão de suas prerrogativas e, com isso, ter perdido autonomia.

O Legislativo está de pernas para o ar, cada vez mais próximo da seguinte encruzilhada: ou se moderniza e se enquadra às exigências de uma sociedade democrática, ou será uma instituição decorativa. Dentro da normalidade institucional – a única forma aceitável de ação – só quem pode deter esse processo de decomposição são os próprios congressistas, pois foram eles que se deixaram subtrair nas atribuições a eles conferidas.

Não debatem as grandes questões de interesse nacional, a menos que esteja em jogo alguma disputa entre governo e oposição. Não encaram com seriedade a função fiscalizadora, porque se dividem em dois grandes grupos: um defende todas as ações do governo, incluídas as erradas e, não raro, as criminosas; e outro condena qualquer coisa que faça o governo, sem distinção de qualidade ou propriedade.

As poucas tentativas de criação de espaços de bom debate e de construção de propostas referidas no bem comum acabam caindo no vazio, atropeladas por algum tipo de interesse que se faz preponderante.

Não assumem a ferro e fogo a tarefa de legisladores. Obrigam o Judiciário a preencher os vazios dessa omissão ou deixam que o Executivo faça gato e sapato das medidas provisórias, mesmo tendo o Legislativo o poder constitucional de decidir se as MPs podem tramitar ou se devem ser devolvidas ao gabinete presidencial.

Não se preocupam com a depuração interna, com a melhoria da qualidade do serviço prestado, em abrir espaços para os melhores quadros. Tudo parece virado do avesso: os líderes de bancadas, principalmente na Câmara, de um modo geral são deputados sem qualificação nem reconhecimento interno ou externo pelo mérito do exercício parlamentar.

Os melhores estão dispersos, relegados ao ostracismo, sobrepujados por personagens menores, alijados do núcleo de poder efetivo. A perda de qualidade, a ascensão do baixo clero ao cardinalato é algo tangível dentro do Congresso.

Os parlamentares têm consciência disso, sabem que enquanto prevalecerem as nulidades não há possibilidade de melhorar. O problema maior é que os deputados e senadores não envolvidos em desvios, com uma noção mais adequada do Parlamento e, por que não dizer, imbuídos de espírito público, não dão sinais de reação. Um ou outro atua de forma isolada, faz um gesto pontual, é reconhecido, festejado, mas nada se transforma em movimento coletivo. Desse jeito, fica impossível a população distinguir quem tem qualificação de quem é totalmente desqualificado.

A proposta do ministro da Justiça, Tarso Genro, de que se diferenciem os políticos e se condenem os ruins, absolvendo a instituição do Congresso, é boa, mas inexequível no momento. Pelo simples fato de que não há uma maneira de fazer a separação. Para isso seria necessário que a banda boa encontrasse alguma forma de se destacar, mostrando à sociedade condutas e raciocínios diferentes.

“Prestigiar a Câmara e o Senado”, como sugere o ministro Tarso Genro, não é solução, porque não é possível conferir prestígio a duas Casas que diariamente produzem razões para o desprestígio. Não são todos os que transgridem? Não. Então, não seria normal, e até indispensável, que quem não transgride reagisse?

Seria. No entanto, todos se deixam igualar. Ou se calam, como se as denúncias fossem problemas exclusivos dos denunciados, ou se associam às queixas contra as notícias dos malfeitos, sem criticar os malfeitores.

Se os bons não condenam os maus, se aceitam o papel de reféns do prejuízo socializado, deixam de ser diferentes, passam a ser cúmplices por omissão e avalizam a equivocada conclusão de que os gatos são todos pardos.

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