FOLHA DE S. PAULO
Há sinais, sim, de formação de pequenas bolhas, tanto em alguns produtos como para empresas na Bolsa
ENQUANTO os especuladores comprados comemoram a reviravolta positiva das cotações, que vem acontecendo com vigor desde meados de março, aqui e lá fora se especula sobre o fim da crise e o anúncio "oficial" da recuperação. É uma ilusão, e das perigosas, tanto para quem joga nos mercados como para os governos que estimulam a antecipada reversão de expectativas.
Não há nenhuma recuperação à vista. Mas há sinais, sim, de formação de borbulhas de preços, pequenas bolhas, como as produzidas no arremedo de recuperação em curso, em que diversos metais e produtos agrícolas, mas também empresas cotadas em Bolsa, voltam a apresentar oportunidades atraentes de ganhos rápidos, de comprar a valores deprimidos para vender, em seguida, faturando até dois dígitos de variação positiva.
Em 1930, também se deu o mesmo. Após o crash da Bolsa de Nova York, no fim de 1929, as cotações subiram pelo menos 30% no ano seguinte -o que corresponderia à posição atual- antes de despencarem realmente até o fundo do poço. Economistas brilhantes da época queimaram a língua (Irving Fischer matou até sua enorme reputação) ao prognosticarem uma recuperação que, de fato, não existia. O mesmo sucedeu com o festejado lorde Keynes, que, além de futurólogo frustrado, também perdeu uma fortuna de dinheiro dos seus desapontados clientes, como administrador de fundos de commodities.
Uma crise como esta é muito traiçoeira. Uma história tragicômica, que o amigo que me contou jura ser verdadeira, narra o final da vida de um matuto simpático do interior de São Paulo, que tomou -por engano- uma dose cavalar de formicida.
Levado às pressas para o ambulatório local, com sintomas graves de intoxicação, um médico experiente cuidou dele e, nas primeiras horas, o homem melhorou a ponto de querer ir embora.
O médico concordou, meio encabulado, deixando o envenenado partir, mas não sem avisar à mulher: "Faz uma festa de despedida para ele hoje à noite". A família fez a festa, mas para comemorar a recuperação do doente. Foi viola e gaita rolando a noite toda e o mais alegre era o matuto. No dia seguinte, "acordou" morto. O formicida lhe havia secado as entranhas.
Macabro, mas real. Esta é a vida que, nas suas voltas, nos prega muitas peças e não é diferente com o atual ciclo econômico -muito mais complexo- pelo veneno da dosagem excessiva de crédito com juros baixos demais, durante tempo demais, na era Greenspan. Os médicos da economia global estão agora tratando da doença com o próprio veneno, em doses nada homeopáticas, mas, sim, cavalares de liquidez.
Para ter uma pálida ideia, o déficit fiscal dos EUA deve superar a marca estratosférica de 13% do PIB em 2009, algo que não atingimos nem na pior de nossas recentes crises fiscais. O limite "recomendado" no tratado de Maastrich é de 3% do PIB. Com isso, a relação entre a dívida pública federal americana e o PIB saltará para 60%, com tendência a superar os 70%, talvez 80%. Por isso, já existem observadores atentos e experientes, como o professor Alan Meltzer, um dos maiores "experts" em economia monetária e história de crises financeiras, que apontam a "volta de inflação, com a força dos anos 70".
Aqui no Brasil, que fomos pegos apenas de tabela pelos efeitos do formicida financeiro, não poderíamos relaxar a guarda, como tem feito o governo, na meta fiscal, ao permitir que os gastos correntes continuem correndo muito acima da receita projetada, enquanto a arrecadação mostra haver ingressado no território das variações negativas. É o nosso tendão de aquiles.
Paulo Rabello de Castro, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Há sinais, sim, de formação de pequenas bolhas, tanto em alguns produtos como para empresas na Bolsa
ENQUANTO os especuladores comprados comemoram a reviravolta positiva das cotações, que vem acontecendo com vigor desde meados de março, aqui e lá fora se especula sobre o fim da crise e o anúncio "oficial" da recuperação. É uma ilusão, e das perigosas, tanto para quem joga nos mercados como para os governos que estimulam a antecipada reversão de expectativas.
Não há nenhuma recuperação à vista. Mas há sinais, sim, de formação de borbulhas de preços, pequenas bolhas, como as produzidas no arremedo de recuperação em curso, em que diversos metais e produtos agrícolas, mas também empresas cotadas em Bolsa, voltam a apresentar oportunidades atraentes de ganhos rápidos, de comprar a valores deprimidos para vender, em seguida, faturando até dois dígitos de variação positiva.
Em 1930, também se deu o mesmo. Após o crash da Bolsa de Nova York, no fim de 1929, as cotações subiram pelo menos 30% no ano seguinte -o que corresponderia à posição atual- antes de despencarem realmente até o fundo do poço. Economistas brilhantes da época queimaram a língua (Irving Fischer matou até sua enorme reputação) ao prognosticarem uma recuperação que, de fato, não existia. O mesmo sucedeu com o festejado lorde Keynes, que, além de futurólogo frustrado, também perdeu uma fortuna de dinheiro dos seus desapontados clientes, como administrador de fundos de commodities.
Uma crise como esta é muito traiçoeira. Uma história tragicômica, que o amigo que me contou jura ser verdadeira, narra o final da vida de um matuto simpático do interior de São Paulo, que tomou -por engano- uma dose cavalar de formicida.
Levado às pressas para o ambulatório local, com sintomas graves de intoxicação, um médico experiente cuidou dele e, nas primeiras horas, o homem melhorou a ponto de querer ir embora.
O médico concordou, meio encabulado, deixando o envenenado partir, mas não sem avisar à mulher: "Faz uma festa de despedida para ele hoje à noite". A família fez a festa, mas para comemorar a recuperação do doente. Foi viola e gaita rolando a noite toda e o mais alegre era o matuto. No dia seguinte, "acordou" morto. O formicida lhe havia secado as entranhas.
Macabro, mas real. Esta é a vida que, nas suas voltas, nos prega muitas peças e não é diferente com o atual ciclo econômico -muito mais complexo- pelo veneno da dosagem excessiva de crédito com juros baixos demais, durante tempo demais, na era Greenspan. Os médicos da economia global estão agora tratando da doença com o próprio veneno, em doses nada homeopáticas, mas, sim, cavalares de liquidez.
Para ter uma pálida ideia, o déficit fiscal dos EUA deve superar a marca estratosférica de 13% do PIB em 2009, algo que não atingimos nem na pior de nossas recentes crises fiscais. O limite "recomendado" no tratado de Maastrich é de 3% do PIB. Com isso, a relação entre a dívida pública federal americana e o PIB saltará para 60%, com tendência a superar os 70%, talvez 80%. Por isso, já existem observadores atentos e experientes, como o professor Alan Meltzer, um dos maiores "experts" em economia monetária e história de crises financeiras, que apontam a "volta de inflação, com a força dos anos 70".
Aqui no Brasil, que fomos pegos apenas de tabela pelos efeitos do formicida financeiro, não poderíamos relaxar a guarda, como tem feito o governo, na meta fiscal, ao permitir que os gastos correntes continuem correndo muito acima da receita projetada, enquanto a arrecadação mostra haver ingressado no território das variações negativas. É o nosso tendão de aquiles.
Paulo Rabello de Castro, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.