O Estado de S. Paulo - 08/03/2009 |
"Há coisas que nós sabemos que sabemos, há coisas que sabemos que não sabemos, há coisas que não sabemos que sabemos e há coisas que não sabemos que não sabemos." A tirada foi utilizada por um aprendiz de filósofo da era Bush, Donald Rumsfeld, que não conseguiu se manter como ministro da Defesa de seu país. Talvez porque houvesse coisas em demasia que ele não sabia que não sabia, combinadas com outras que ele sabia que sabia, mas não lhe era possível reconhecer de público. Na grave crise que ora vive a economia mundial - a mais globalmente sincronizada retração econômica desde os anos 30 do século passado - também é possível identificar esses quatro tipos de "coisas", e muitos "Rumsfeld-types" nos mundos das finanças, da economia e da política. Afinal, a dúvida é da natureza humana e o futuro, sempre incerto. E como escreveu Fernando Pessoa, "todas as frases do livro da vida, se lidas até o final, terminam numa interrogação". Em espanhol, dizem com orgulho alguns amigos "castellanos", também começam, com o sinal de interrogação invertido. Lembrança, talvez, de que perguntas devem ser feitas antes, e não depois da ocorrência de eventos desastrosos. Muitas perguntas sobre as quatro possibilidades "rumsfeldianas" no que diz respeito a riscos não foram feitas de forma clara por mercados financeiros, governos (e suas agências), enquanto o mundo vivia o auge (2003-2007) do mais intenso e amplo ciclo de expansão da história moderna. Agora, em plena crise, as perguntas mais relevantes são menos relacionadas às causas da crise, importantes como sejam, e mais ligadas à natureza e à qualidade das respostas - nacionais, regionais e globais, que governos (e mercados) podem e devem dar à crise com vista à sua superação e à retomada gradual do crescimento. O restante deste artigo se restringe a um tema especifico: os possíveis usos do PAC (o plural é deliberado) como um dos elementos do conjunto de respostas do Brasil não só para enfrentar a crise atual como para nos reposicionar mais favoravelmente na região e no mundo à medida que a crise global vá sendo enfrentada e eventualmente superada ao longo dos próximos trimestres ou anos. Escrevo no mês seguinte à apresentação dos "novos números" do PAC, originalmente apresentado dois anos atrás, no início de 2007, como um apanhado de tudo o que já vinha sendo realizado ou planejado não só no orçamento de investimentos do governo federal (vale lembrar, algo em torno de apenas 1% do PIB), nos planos das empresas estatais, bem como nos investimentos privados então planejados para 2007-2010. Este somatório incluía, conforme a apresentação de 2007, nada mais, nada menos que 1.646 "ações de governo a serem monitoradas" de forma centralizada na Casa Civil, das quais 912 seriam "obras" e 734 "estudos e projetos em andamento". Seu valor era estimado em R$ 504 bilhões, a esmagadora maioria investimentos que empresas estatais estavam, em fins de 2006, contando realizar no triênio 2007-2010. No início de 2008, a apresentação da avaliação do PAC havia aumentado para mais de 2 mil as ações do governo sendo monitoradas no âmbito do PAC (mais de mil obras e outros tantos estudos e projetos em andamento). Agora, início de 2009, o País toma conhecimento de que o governo decidiu adicionar R$ 132 bilhões para o triênio 2007-2010, levando o total de R$ 504 bilhões para R$ 646 bilhões, além de elevar a estimativa de gastos do programa após 2010 de R$ 189 bilhões para R$ 502 bilhões, apresentando o PAC como um programa de R$ 1,148 trilhão em seu conjunto, para 2007-2013. Para muitos, puro keynesianismo contracíclico. Mas é difícil evitar a percepção de que o PAC vai aumentando em número de obras, projetos e estudos em andamento e, especialmente, no seu valor total estimado para os sete anos que vão de 2007 a 2013 (!), porque, pelos critérios adotados pelo governo, são considerados novos investimentos todas as obras que, mesmo já previstas ou conhecidas ou planejadas e executadas por Estados, ainda não haviam sido incorporadas ao PAC. Como escrevi neste espaço há cerca de um ano, "o PAC é tudo, no PAC tudo cabe". Poderia adicionar: "É como um generoso, compreensivo e abrangente coração de mãe." Conforme bem ilustra texto recente da portaria de órgão da Presidência da República que define o PAC como "um instrumento de universalização dos benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do Brasil". Ora, é sabido que quando tudo é prioritário nada é prioritário. Desde pelo menos os anos 1950 (primórdios do BNDES e da Petrobrás, governo JK) se sabe da importância da seletividade e do critério na escolha dos projetos. E mais importante: capacidade de execução, eficiência no gerenciamento e cobrança de resultados. O papel do investimento público pode ser fundamental para romper certos pontos de estrangulamento em infraestrutura, para sinalizar novas oportunidades de investimento ao setor privado, para sugerir áreas em que ambos, público e privado, podem atuar conjunta ou complementarmente. Os programas Brasil em Ação/Avança Brasil, do governo FHC, definiram, após cuidadosos estudos, entre 40 e 50 projetos prioritários. O modelo de gerenciamento dos projetos, conduzidos pela equipe chefiada com competência e profissionalismo por José Paulo Silveira, com sua longa experiência na Petrobrás, é hoje utilizado com sucesso por vários Estados brasileiros que também definiram relativamente poucos projetos prioritários, compatíveis com a capacidade de execução do Estado e suas empresas. A contribuição do PAC para o Brasil depende, a meu ver, não de seu uso como instrumento de retórica política associada à campanha eleitoral que se avizinha, mas de maior seletividade, efetiva gestão e resultados operacionais concretos sobre os níveis e a eficácia do investimento público e privado - um dos maiores desafios de médio prazo a enfrentar na área econômica. |
Entrevista:O Estado inteligente
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Respostas à crise: usos do PAC Pedro S. Malan
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