Hoje não, minha querida
A terapeuta americana diz que, ao contrário do
que se pensa, a falta de desejo sexual no casamento
é tão comum entre os homens quanto entre as mulheres
Roberta de Abreu Lima
Divulgação | "O estereótipo de que o homem tem um apetite sexual inesgotável e a mulher sente ‘dor de cabeça’ não corresponde à verdade" |
A psicóloga americana Michele Weiner Davis trabalha como terapeuta de casais há mais de vinte anos. Especialista em salvar casamentos em crise, escreveu sete livros sobre o assunto e se tornou uma celebridade da TV americana ao participar regularmente de programas como o da apresentadora Oprah Winfrey. Michele diz que um dos problemas mais comuns levados a seu consultório é a falta de desejo sexual de um dos cônjuges. Ela sustenta que, ao contrário do que reza o senso comum, a perda da vontade de fazer sexo é tão comum entre os homens quanto entre as mulheres. Esse é o tema central de seu novo livro, The Sex-Starved Wife: What to Do When He’s Lost Desire (A Esposa Faminta de Sexo: o que Fazer Quando Ele Perde o Desejo), lançado há pouco nos Estados Unidos. Michele falou a VEJA de seu consultório, no Colorado.
O que a levou a escrever um livro para mulheres insatisfeitas com a vida sexual no casamento? Ao escrever meu livro anterior, The Sex-Starved Marriage (O Casamento Faminto de Sexo, ainda inédito no Brasil), em que relato os problemas vividos pelos casais quando um dos cônjuges tem mais interesse em sexo do que o outro, dediquei alguns poucos parágrafos às mulheres que sentem mais desejo do que o parceiro. A resposta das leitoras a esse trecho do livro foi entusiástica. Elas me agradeciam porque, antes do livro, acreditavam que só acontecia aos homens querer mais sexo que a parceira. Essa foi a minha motivação: mostrar a elas que não estão sozinhas.
É comum que um dos cônjuges queira fazer sexo com mais freqüência que o outro? Esse é um dos problemas que surgem com maior freqüência nos consultórios dos terapeutas. Acredito que um em cada três casais vive essa situação. Ao contrário do que muita gente pensa, o número de mulheres que reclamam da escassez de sexo é praticamente igual ao de homens.
A idéia de que o homem está sempre pronto para o sexo é falsa? Sem dúvida. O estereótipo de que o homem tem um apetite sexual inesgotável e a mulher sente "dor de cabeça" não corresponde à verdade. Essa imagem popular está relacionada à idéia de que o homem precisa estar sempre disposto ao sexo para ser másculo. Isso é um mito. Pela minha experiência como terapeuta, posso afirmar que inúmeras mulheres se sentem insatisfeitas com a baixa freqüência sexual no casamento. Uma pesquisa que realizamos com mais de 1 000 mulheres mostrou que 60% delas desejam sexo pelo menos tanto quanto – se não mais que – o marido. A maioria das pessoas não acredita que é possível um homem não querer fazer sexo. Essa idéia deturpada torna o problema muito mais complexo do que quando o insatisfeito é o homem.
Por que a insatisfação sexual é um problema mais complexo no caso das mulheres? Em primeiro lugar, porque não se discute o assunto. Há muita vergonha. A mulher, por achar que é impossível um homem não ter vontade de fazer sexo, acredita que a culpa é dela. Pensa que não é atraente ou sexy o bastante, que está muito gorda ou muito magra. Como também não quer embaraçar o marido, mantém silêncio sobre sua insatisfação. O homem, por sua vez, se sente envergonhado e não procura ajuda. A falta de sexo freqüentemente se torna um segredo entre os dois.
Os homens evitam falar sobre sua vida sexual? Se sua vida sexual não está indo bem, eles não falam. É muito constrangedor para um homem dizer que não sente vontade de fazer sexo, porque a cultura ocidental associa a masculinidade ao grau de interesse em sexo. Acredita-se que, quanto mais interessado no assunto, mais homem ele é.
Por que alguns homens se desinteressam por sexo? Há muitas razões para que eles se desinteressem por sexo. Costumo dividi-las em três categorias. A primeira é a das razões biológicas, quando a queda no desejo sexual se deve a alguma doença. Pode ser diabetes, problemas cardíacos ou alterações no sistema endócrino, como diminuição na produção de testosterona. Nessa categoria também incluo efeitos colaterais do uso de alguns medicamentos, do excesso de álcool, do uso de drogas ou tranqüilizantes e obesidade. A segunda categoria é a das causas emocionais, em que se enquadram problemas como stress, depressão, dificuldades para lidar com o próprio corpo, experiências afetivas anteriores ruins ou ainda alguma disfunção sexual, como a ejaculação precoce. A terceira categoria abrange os problemas vividos no relacionamento com a mulher.
Problemas de que tipo? Quando pergunto aos homens a que atribuem a perda do desejo, curiosamente, a maioria faz as mesmas reclamações que as mulheres na mesma situação. Eles dizem que sua mulher é muito crítica, que ela não lhe faz elogios, que existem questões mal resolvidas na relação que se arrastam há semanas ou meses. Muitos homens dizem que, quando não se sentem emocionalmente próximos de sua mulher, não têm vontade de fazer sexo com ela. As questões ligadas ao relacionamento afetivo com a mulher têm muito mais impacto no desejo masculino do que as pessoas imaginam.
Quanto a aparência da esposa influi no desejo do marido? Influi muito. Seria bom se os homens sempre achassem sua mulher atraente, independentemente de ela ter engordado ou deixado de se cuidar. Mas a vida não funciona assim. Estamos falando de uma questão biológica. Os seres humanos foram programados para se reproduzir e a atração física, que é instintiva, desempenha um papel importante nesse processo. Cuidar do corpo e manter-se atraente também é um modo de a mulher mostrar que se importa com o parceiro. Não estou fazendo apologia da preocupação excessiva com o espelho, mas manter a forma é fundamental, inclusive para estar saudável para o sexo. O homem é muito sensível ao estímulo visual. Portanto, se a mulher quer que ele sinta mais desejo por ela, é bom que preste atenção na aparência.
É comum que o motivo do desinteresse sexual do marido seja a existência de uma amante? Sim. Traição é uma desconfiança comum entre as mulheres nessa situação, e infelizmente muitas delas estão certas. Uma relação extraconjugal, embora provoque certa empolgação no homem, demanda dele tempo e energia para marcar encontros, esconder-se, contar mentiras. Além de sentirem culpa, os maridos infiéis muitas vezes se mantêm tão ocupados tentando ocultar seu comportamento que se esquecem do sexo com a esposa. Até porque suas necessidades sexuais e afetivas estão sendo atendidas fora do casamento. As mulheres devem ficar atentas aos sinais da infidelidade.
Quais são os sinais da infidelidade masculina? Interesse repentino no trabalho, viagens mais freqüentes do que o normal, mudanças na aparência e ausências inexplicáveis são alguns sinais. Somem-se à lista: segredo sobre a fatura do cartão de crédito ou sobre as ligações no celular, cheiros incomuns nas roupas, má vontade para incluir a mulher nas atividades cotidianas, dificuldade para olhar em seus olhos e atitude defensiva quando ela o questiona. Alguns desses indícios, somados, podem significar que ele está tendo um caso.
As mulheres que sentem falta de mais sexo traem o marido? Sim. No começo da privação sexual, elas se sentem magoadas com o parceiro. Depois, passam a sentir raiva. Por causa dessa reação, o homem fica ainda mais distante dela. É um comportamento circular: quanto mais ele evita o sexo, mais brava ela fica e mais ele se afasta. Muitas mulheres acabam tendo um caso porque acreditam que esse é o único caminho para se sentirem desejadas e felizes. Na nossa pesquisa, 37% das mulheres que diziam sentir falta de sexo no casamento tiveram ou chegaram perto de ter uma relação extraconjugal.
Há mais homens hoje com pouca vontade de fazer sexo ou somente agora as mulheres estão falando nisso? As duas suposições são verdadeiras. Os meios de comunicação dão mais espaço para discutir temas relacionados a sexo do que há alguns anos. As mulheres assistem a programas e seriados na TV, como o popularSex and the City, e começam a se sentir mais confortáveis para falar sobre o assunto. Por outro lado, nunca os homens reclamaram tanto da vida atribulada que levam. Eles estão mais estressados e às vezes não encontram tempo para se dedicar ao relacionamento. Quando se prioriza a relação com a parceira, o primeiro aspecto a se beneficiar é o sexual.
Por que o homem resiste a mudar seu comportamento quando percebe que a mulher está insatisfeita? Quem tem pouco desejo na relação muitas vezes não percebe que está privando seu parceiro de sexo. É comum o homem pensar que sua mulher está reclamando à toa. Diz que existe alguma coisa errada com ela e a faz se sentir uma ninfomaníaca. A mulher, por sua vez, sente-se feia, sozinha e pouco amada. Acredito que os homens nessa situação realmente não se dão conta de quanto estão magoando a mulher, especialmente porque a maioria delas espera que ele tome a iniciativa na cama. A grande diferença entre os gêneros é a forma de encarar o problema. Quando uma mulher tem pouco desejo e seu marido pede a ela que busque ajuda, ela tenta. Vai ao médico, procura ler sobre o assunto, fala com alguém. Quando é o homem que está nessa posição, raramente faz algo para mudar. É muito frustrante para uma mulher pedir a seu marido que procure ajuda para resolver um problema e ouvir uma recusa.
Se o homem resiste a mudar, há algo que a mulher possa fazer? Sim, mas ela precisa entender que não pode deixá-lo se sentir controlado. Os homens são avessos à idéia de que alguém lhes diga o que fazer. É mais eficiente agir como se estivesse pedindo um favor. Costumo dizer às minhas pacientes para não criticá-los, mas contar a eles o que elas sentem. É só usar sempre a primeira pessoa. Em vez de acusá-lo de não querer ir ao médico porque não liga para os seus sentimentos, é melhor falar que se sente magoada quando ele recusa a sua sugestão. Faz toda a diferença. Mas ela tem de ser específica, deixar claro que sexo é importante em sua vida. Não custa reforçar que também é preciso ser amorosa, escolher o momento mais adequado para tocar no assunto, ter paciência e reforçar os pequenos sinais de progresso com elogios.
É possível resolver o problema da falta de desejo masculino sem sacrificar o casamento? Sim, certamente. Em primeiro lugar, é preciso discutir o assunto, concordar que há um problema e tentar encontrar uma solução comum para ele. O casal deve ter foco: fazer exames médicos para se certificar de que não há nenhuma doença, procurar a ajuda de um especialista, conversar. Se não tentar resolver a questão, seu destino mais provável é o divórcio. A pessoa com pouco desejo sexual é quem regula a freqüência do sexo no casamento, já que tem poder de veto. No caso do homem, ele espera que a mulher aceite sem reclamar a freqüência que ele impõe. A mulher se sente muito frustrada e, em algum momento, chega à conclusão de que não vai passar o resto de sua vida dessa forma. Então, acaba encontrando outra pessoa ou pedindo o divórcio.
Como evitar o desinteresse sexual de um dos parceiros? Em primeiro lugar, o casal deve estabelecer uma boa vida sexual como prioridade. É preciso ter consciência da importância que o sexo tem no casamento e dedicar tempo para praticá-lo. Flertar com o parceiro, ser romântico, fazer um esforço para manter o clima são atitudes fundamentais. Falar sobre sexo também ajuda.