Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 20, 2008

Veja Entrevista Gregory Rabassa

Literatura | Entrevista Gregory Rabassa
"É um escritor que traduz 
a si mesmo"


André Petry, de Nova York

Gilberto Tadday

"Discordo de que Machado foi um gênio da literatura negra. Machado não é um escritor negro. Ele é um escritor brasileiro.Ponto"

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O influente crítico literário Harold Bloom diz que Machado de Assis está se tornando conhecido nos países de língua inglesa porque finalmente há boas traduções no mercado. Uma delas ficou pronta em 1996, quando Gregory Rabassa, 86 anos, um dos mais competentes tradutores do português e do espanhol para o inglês, traduziu Memórias Póstumas de Brás Cubas. "Gosto de Dom Casmurro,mas meu favorito é Brás Cubas", diz. Ele também traduziu Quincas Borba. No seu apartamento no East Side, em Nova York, onde vive cercado de livros, prêmios e bom humor inabalável, Rabassa recebeu VEJA.

Como é traduzir Machado de Assis para o inglês?
Muito fácil. Tenho a impressão de que alguns escritores traduzem a si mesmos ao dizer coisas que só podem ser ditas de um único modo. Machado é assim. Além disso, ele não é um escritor difícil em termos de estilo. Depois que concluí meu trabalho, percebi que Machado era parecido com Laurence Sterne (inglês nascido na Irlanda, 1713-1768).Alguém me falou que ele não leu Sterne em inglês, mas em francês. Mesmo assim, Machado pegou o espírito e o modo como Sterne escrevia e pensava. É o mesmo estilo suave e fluente.

Harold Bloom colocou Machado de Assis entre os 100 maiores gênios da literatura universal. O senhor concorda?
Claro, Machado merece até mais. Discordo de Bloom quando ele diz que Machado foi um gênio da literatura negra. Machado não é um escritor negro. É um escritor brasileiro. Ponto. Mas Bloom acerta quando compara Machado a Dante, Cervantes, Shakespeare. São todos bons.

Então por que uns são tão mais celebrados que outros?
Porque têm mais propaganda. Há grandes livros na Índia ou na China, só que ninguém os conhece. Eles não têm a mesma publicidade porque não fazem parte dos chamados cânones. A literatura brasileira não faz parte. Os tais cânones são compostos de livros da França, Alemanha, Inglaterra, Itália e, claro, Estados Unidos, porque somos nós, americanos, que fazemos os cânones. Então, incluímos os meninos da casa. Na Inglaterra, ninguém acha que Herman Melville (americano, 1819-1891) ou Henry James (americano, 1843-1916) são lá essas coisas. Machado é tão bom quanto Gustave Flaubert (francês, 1821-1880).

O que faz de Machado um escritor superior?
Sabedoria. Ele era sábio.

Por que Machado de Assis está começando a ser descoberto nos Estados Unidos?
As pessoas certas estão começando a lê-lo. Acho que Gabriel García Márquez abriu as portas da literatura da América Latina com o sucesso de Cem Anos de Solidão. Os editores passaram a olhar mais para o sul. Outros se beneficiaram disso, como Jorge Luis Borges (argentino, 1899-1986). Até então, Borges era conhecido de um modo limitado nos EUA. Depois, havia Borges em todo lugar. Tem uma história dele que me lembra Machado. Borges caminhava numa rua de Montevidéu e alguém o abordou: "O senhor é Borges?". Ele respondeu: "Às vezes". Essa história é ótima pela ambigüidade. Machado tem isso.

É verdade que García Márquez esperou três anos para que o senhor tivesse agenda para traduzir Cem Anos de Solidão?
É verdade. Depois disse que a tradução tinha ficado melhor do que o original em espanhol. Tomei mais como elogio à língua inglesa do que a mim. Hoje ele tem outro tradutor. Não estou chateado. Traduzi os melhores livros dele. O Amor nos Tempos do Cólera, que não traduzi, não é dos melhores. Jorge Amado (1912-2001) fez melhor em Dona Flor e Seus Dois Maridos.

O senhor vê semelhança entre García Márquez e Jorge Amado?
Quando imagino Macondo sempre enxergo Sonia Braga descendo a rua.

O senhor já disse que traduzir é impossível. O que isso significa?
Que uma coisa escrita pertence à língua em que foi escrita. É como uma pintura. Posso reproduzir a fase azul de Picasso em amarelo. Pode até ficar parecido, mas nunca será a mesma coisa.

O senhor nunca quis traduzir Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa?
Tentei, mas desisti. O livro começa com a epígrafe "O diabo na rua, no meio do redemoinho". Li e coloquei em inglês: "The devil on the street, in the middle of the whirlwind". Examinei de novo e percebi que o diabo não estava só no meio do redemoinho mas também no meio da palavra re-demo-inho. Achei uma solução em inglês com "demo" na palavra, mas não era a mesma coisa. Então eu disse: isso é como James Joyce (irlandês, 1882-1941), não dá para traduzir.

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