Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 18, 2008

O furacão Subprime e o Brasil Roberto Macedo

A crise financeira que prossegue a partir dos EUA teve sua origem na inadimplência de mutuários de hipotecas imobiliárias de segunda linha, lá avaliadas como "subprime". Tanto se falou desse adjetivo que pode ser usado como substantivo, e associado a imagens para facilitar o entendimento do problema financeiro que gerou.

Uma é a de um desses furacões que surgem no Caribe e causam problemas nos países da região e no sul dos EUA. Como furacões, a crise perde ou ganha intensidade, e não é fácil prever seus rumos. Hoje o olho do Subprime está no eixo Nova York-Washington, mas seus ventos se espalham pelo mundo, e há grande preocupação no Brasil quanto aos efeitos que aqui já chegaram, como na Bovespa, e outros ainda por vir.

Depois que o Subprime surgiu no primeiro semestre e se consolidou em agosto de 2007, vieram grandes prejuízos de instituições financeiras, socorridas pelo banco central dos EUA, conhecido como Fed. Este até deixou de lado sua preocupação com a inflação e reduziu de 5,25% para 2% sua taxa básica de juros.

Além disso, adotou outras medidas para assegurar a liquidez do mercado financeiro, a qual começou a secar ou a se empoçar em face da crescente necessidade dela por parte de algumas instituições e da indisposição de outras em ampliar suas operações de empréstimo. Outro objetivo do Fed é o de minimizar os efeitos da crise sobre o lado não-financeiro ou real da economia.

Os prejuízos continuaram surgindo e se tornou claro que os problemas mais sérios estavam não tanto nos bancos de varejo, como o gigantesco Bank of America, mas nos de investimento e, ainda, nas companhias seguradoras de riscos financeiros. Esses bancos, frouxamente regulados, se envolveram nos referidos financiamentos, inclusive montando outras instituições para captar recursos de terceiros para essa finalidade, numa proporção muito superior à do seu próprio capital. Com elas obtinham recursos de curto prazo para financiamentos que são tipicamente de longo prazo. Quando a inadimplência dos mutuários aumentou, esses terceiros começaram a liquidar seus investimentos e o esquema começou a desmoronar.

O primeiro grande banco de investimento a naufragar foi o octogenário Bear Stearns (BS), no dia 14 de março deste ano, engolido pelo JP Morgan Chase, com ajuda do Fed. Isso depois de repetidas vezes os executivos do BS assegurarem que "tudo estava sob controle". E mesmo fora do banco não se sabia, como ainda não se sabe hoje, se haveria mais do mesmo.

Depois de amainar por algum tempo, o Subprime retomou sua força devastadora nos últimos três meses, levando o Tesouro dos EUA a socorrer as enormes agências hipotecárias Fannie e Freddie. Reuniões no último fim de semana selaram a sorte de dois outros bancos de investimento, o Lehman Brothers, nascido em 1850 (!), que pediu concordata com perspectivas de liquidação, e o nonagenário Merrill Lynch, comprado pelo Bank of America. Realço a idade desses bancos porque dá uma idéia do trauma que seu fim traz aos mercados financeiros, em particular o dos EUA.

Digno de nota é também o dilema do Fed de socorrer ou não instituições financeiras, em face do risco de estimular outras a contar com esse socorro para suas aventuras. Escaldado por críticas à operação que envolveu o BS, o Fed optou por não socorrer o Lehman. Mas até a última hora o presidente deste, Dick Fuld, acreditava no socorro, a ponto de recusar ofertas de compradores. Conforme este jornal noticiou ontem, na porta do banco ex-funcionários escreviam mensagens de desabafo em cima de um enorme retrato de Fuld. Uma delas dizia: "Belo negócio, Dick." Pude ler outra: "Vejo você na cozinha da sopa", nome pelo qual são conhecidos os locais onde se consegue uma refeição de graça em Nova York. O banco tinha 25 mil funcionários. Ontem, contudo, veio a notícia de mais um socorro, desta vez a uma grande seguradora.

E o Brasil com isso? A Bovespa foi a primeira vítima, inevitável diante de uma globalização que é mais forte nos seus canais financeiros do que nos de comércio e de fluxos migratórios. Em crises como essa, cai o valor de ativos conforme percebido pelos investidores, o que é agravado pela fuga dos estrangeiros com outras prioridades para o uso de seus recursos.

Em face dessas prioridades e da avaliação de riscos, o País já enfrenta dificuldades na captação de empréstimos externos e de sua renovação, inclusive com aumento do seu custo. Nada ainda preocupante no momento, mas pode haver complicações, por exemplo, para os grandiosos planos governamentais para o pré-sal, se o preço do petróleo cair muito, a ponto de não viabilizar uma extração de alto custo e de desencorajar quem emprestaria o dinheiro para isso.

Nos fluxos de comércio, os sinais mais importantes estão nos preços das commodities exportadas pelo País. Eles vinham subindo há vários anos, impulsionados pela maior demanda, mas esse movimento se acelerara desde agosto do ano passado, quando investidores financeiros procuraram os mercados futuros desses produtos em busca de maiores ganhos, num processo que agora se reverte. Mas, se os preços caírem abaixo de seus valores de então, será sinal de que a crise é mais profunda e alcançaria com maior impacto o setor real da economia.

Por enquanto, permanece a aposta de que os ventos do Subprime serão fracos aqui, no Brasil, se comparados aos muito fortes que sopram nos EUA e noutros países desenvolvidos com maior peso nas finanças mundiais. Tempos tão incertos como este são de reflexão e cautela, que, contudo, continuam desvalorizadas no mercado das opções de Brasília.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

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