Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 21, 2008

O day after da crise Suely Caldas*

Hoje há mil dúvidas sobre a duração e as conseqüências da crise econômica mundial e uma única certeza: o sistema financeiro não será mais o mesmo e vai sofrer importantes e intensas transformações. O economista norte-americano Joseph Stiglitz chegou a comparar: "A queda de Wall Street representa, para o fundamentalismo do mercado, o que a queda do Muro de Berlim representou para o comunismo." Não chega a tanto.

Afinal, o comunismo foi um sistema econômico, político e de poder que durou quase um século e desmoronou nos anos 80, enquanto o fundamentalismo de mercado não passa de uma vertente política liberal exacerbada que tentou se firmar no capitalismo financeiro e agora sucumbe mergulhado nos próprios erros. Mesmo nos EUA, onde integrantes do Partido Republicano (o presidente George W. Bush à frente) abrigaram e deram força à idéia de um mercado financeiro livre de regras de regulação, os fundamentalistas enfrentam resistências. Agora, com a candidatura abalada, o republicano John McCain escolheu para bode expiatório da crise o presidente da comissão de valores mobiliários dos EUA (SEC, Securities and Exchange Comission), Christopher Cox, e pediu sua demissão.

Com vivência no FMI, onde trabalhou em Washington, e no Brasil como diretor do Banco Central (BC), o economista Ilan Goldfajn estuda e acompanha o funcionamento dos mercados há anos. Ele exclui interpretações ideológicas de sua análise, mas enumera as mudanças que virão com a crise: 1) A exuberância acabou e o sistema financeiro será muito mais enxuto; 2) os bancos de investimento não sobreviverão isoladamente e tentarão se associar a bancos comerciais; 3) novas regras de regulação e controle serão instituídas pelos bancos centrais dos países para dar maior segurança ao sistema; 4) operações de risco serão protegidas por provisionamentos; 5) instituições financeiras operarão menos alavancadas; e 6) apesar de estarem no olho do furacão, as inovações recentes de ativos não vão desaparecer e continuarão os derivativos e mecanismos de securitização.

Nos últimos anos a globalização ampliou-se rapidamente no mundo e particularmente no mercado financeiro, mas o Banco para Compensação Internacional (BIS, o Banco Central de todos os BCs) não conseguiu acompanhar o ritmo. Em andamento há alguns anos, o acordo Basiléia II visa mais os bancos comerciais e menos os de investimento, atores desta crise. Mas Goldfajn não acredita em novas regras de proteção contra riscos coordenadas a partir do BIS. "Isso é papel dos bancos centrais em cada país", argumenta.

Apesar do otimismo do presidente Lula e do ministro Guido Mantega, o Brasil não está isolado nem imune à crise. É chute prever se a inflação ficará dentro ou fora da meta ou se o País vai crescer mais ou menos de 4% em 2009. Mas, preocupado com o efeito do câmbio sobre os preços, o BC decidiu vender dólares, o que não fazia desde 2003. Afinal, em menos de dois meses, o real desvalorizou 24%, com a taxa cambial passando de R$ 1,56 para R$ 1,93 (fechamento de 18/9). O presidente do BC, Henrique Meirelles, tomou a decisão depois de ver in loco o tamanho e o drama da crise em Wall Street.

A saída de dólares da Bovespa e de empresas estrangeiras que remetem lucro para suas matrizes se intensificou rapidamente. Já o ingresso começa a rarear com a escassez de créditos de todo tipo, inclusive de exportações. O BNDES percebeu que não teria sucesso e desistiu de captar recursos no exterior em operação programada anteriormente.

Quanto tempo vai durar essa escassez de crédito externo ninguém sabe, mas esse é o problema mais dramático e que mais abala a economia de países emergentes, sobretudo o Brasil, que vive um momento favorável de novos investimentos e precisa trazer dinheiro de fora para concretizá-los.

Aumentar o capital do BNDES ou usar o Banco do Brasil para irrigar dinheiro para empresas tocarem projetos não é suficiente e tem efeitos indesejáveis sobre a inflação. O governo sabe disso e o Banco Central não vai permitir descontroles.

Diante disso, se a idéia de criar uma empresa 100% estatal para explorar o petróleo do pré-sal já era ruim, agora ficou inviável. A não ser que o governo decida adiar indefinidamente os investimentos.

Se Lula quer molhar as mãos de verdade no petróleo extraído do pré-sal antes de deixar o governo, terá de abandonar a idéia da estatal e deixar a Petrobrás, associada a outras empresas, captar créditos e explorar o óleo.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-RJ (sucaldas@terra.com.br)

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