Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 15, 2008

Nhenhenhém sobre neoliberalismo Marco Antonio Rocha*

Na semana passada, em Brasília, o Ministério da Fazenda comemorou os 200 anos de sua fundação, em 28 de junho de 1808, com um importante seminário - Desenvolvimento econômico: crescimento e distribuição de renda -, para o qual foram convidados os ex-ministros ainda vivos, a começar pelo mais antigo, Antonio Delfim Netto - ministro de abril/67 a março/74, nos governos Costa e Silva e Médici (*). Todos falaram sobre suas respectivas gestões. Os que não puderam comparecer enviaram depoimentos gravados, como Marcílio Marques Moreira, Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Antonio Palocci. Se o ministério organizar e publicar esses depoimentos, estudiosos e pesquisadores disporão de importante material para revisão e análise da história econômica recente do Brasil.

Mas foi também uma oportunidade rara para que ex-ministros e economistas de duas correntes opostas de pensamento - a intervencionista e a neoliberal - se atirassem farpas durante conversas e entrevistas que ficaram mais ou menos circunscritas aos salões do ministério, que em dois séculos já deram eco a todo tipo de besteirol verbal e abrigaram todo tipo de decisões desastrosas para as finanças públicas, tomadas por titulares antigos ou hodiernos.

Algumas das figuras presentes - cujo pensar é como tesouro de pirata, sempre enterrado - puseram-se a festejar com euforia o que lhes parece o sepultamento definitivo do neoliberalismo.

O que desencadeou o prognóstico prematuro foi a decisão do Tesouro americano de despejar US$ 200 bilhões nas agências Fannie Mae e Freddie Mac - as duas gigantes do crédito imobiliário nos Estados Unidos, cujos nomes engraçados lembram personagens de cartoon - para evitar uma quebradeira geral ou, como se dizia aqui no Brasil, no tempo do Proer, para evitar um risco sistêmico. O ministro Mantega até usou essa expressão ao opinar que o aporte financeiro serviu para "evitar um problema sistêmico". Mas isso decretou o fracasso do neoliberalismo, a julgar pelas opiniões dos sobreviventes das teorias estatizantes que povoaram muitas cabeças durante dois terços do século passado.

O alegre trombetear sobre o fim do neoliberalismo parece ter sido liderado pela mais badalada economista "de esquerda" - qualificativo que lhe foi dado pela imprensa -, a nunca jamais comedida professora Maria da Conceição Tavares: "É fantástico o país mais liberal do mundo ter de estatizar. Enterraram o neoliberalismo de maneira trágica", teria ela dito, segundo o jornal O Globo. "O nosso Proer foi mais baratinho. E o nosso sistema bancário não está comprometido (com essa crise), o que é uma boa." A assertiva pode se revelar otimista... pois há quem veja riscos nas ousadias dos bancos brasileiros, caso haja uma recessão, com queda do emprego e aumento da inadimplência. Há muita gente mais endividada do que seria prudente.

Mas esse não é o mote. O mote é o suposto funeral da doutrina econômica apelidada de neoliberalismo. Apelidada porque neoliberalismo não é doutrina. O povo tem idéias gerais sobre algumas doutrinas de verdade: o socialismo, o comunismo, o nazismo e outros ismos. Mas sobre neoliberalismo ninguém tem idéia nenhuma. A doutrina que de fato existe é o liberalismo, que não tem nada de "neo" e cujo fundamento, em resumo, é que, quanto menos governo na vida das empresas e pessoas, melhor para todos. O neo foi pregado no liberalismo pelo PT, quando na oposição, com o objetivo de melhor combater o capitalismo, ao qual aderiu alegremente desde que se tornou governo, incorporando até o lado negro dessa "força" - a baita corrupção.

Mas a ministra Dilma Rousseff, que também festejava, no evento, o fim do neoliberalismo, do fundo do seu incontestável baú de sabedoria sobre coisas da política e da economia, sacou tesouros definidores: "O neoliberalismo é uma política para os países em desenvolvimento. Essa história de neoliberalismo valia para nós e somente para nós. No mundo capitalista, desenvolvido, jamais houve isso."

De fato. Pois o que havia no mundo desenvolvido era liberalismo puro, simples e muito exagerado, como relatam as crônicas da cruel exploração do homem pelo homem nos países capitalistas. Mas parece que foi assim que os países desenvolvidos se desenvolveram. Já nos países onde se implantou a exploração do homem pelos governantes, a pretexto de impedir que alguns homens explorassem outros homens, o desenvolvimento já não foi nem tem sido tão auspicioso. No Brasil, particularmente, o que mais se tem desenvolvido é o próprio governo e sua arrecadação fiscal, a despeito das penúrias que o povo continua agüentando.

Também um ex-ministro que estava no seminário, Bresser Pereira, acredita que aquela ajuda americana "decreta o fim do neoliberalismo (...) essa ideologia dominante nos últimos 30 anos". E mais: que "é fundamental uma intervenção do Estado para complementar e corrigir os mercados". Sim, talvez como aquela de 1987, que mudou o indicador de correção das cadernetas de poupança, prejudicando cerca de 80 milhões de contas que até maio do ano passado, 20 anos depois, tentavam se ressarcir à custa de um dos grandes esqueletos no armário das contas nacionais.

Outra campeã do intervencionismo estatal, a ex-ministra Zélia Cardoso, dizia que não tem nenhuma saudade de ter sido ministra da Fazenda. Uma pesquisa ampla talvez possa revelar que ninguém tem... (saudade dela ter sido ministra!). Mas foi interessante ela ter dito que "é muito mais fácil ser ministro da Fazenda agora do que em minha época". Por que será?

Talvez porque os "neoliberais" puseram ordem no caos deixado pelos intervencionistas com seus vários planos, desde o Cruzado I?

(*) No governo Figueiredo, foi ministro da Agricultura e, depois, do Planejamento.

*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha @grupoestado.com.br

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