Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 11, 2008

Míriam Leitão - Desde aquele dia



Panorama Econômico
O Globo
11/9/2008

Tudo o que aconteceu na economia mundial depois do 11 de Setembro tem a ver, de alguma forma, com o 11 de Setembro. Foi por causa dele que os juros dos países ricos caíram. Ficaram baixos tanto tempo que se formou a bolha, que agora estoura. É difícil analisar a economia destes sete anos sem considerar aquele dia. O Brasil tem a sorte de estar num bom momento, e o azar de ser um mau momento do mundo.

Após o ataque às torres gêmeas, balançaram as estruturas de outras fortalezas. As empresas aéreas entraram numa zona de turbulência e as seguradoras vergaram sob o peso de impagáveis seguros. A crise de confiança reduziu o consumo drasticamente. O risco era de que o mundo entrasse em recessão.

Para evitar isso, os bancos centrais dos países desenvolvidos reduziram a taxa de juros para injetar liquidez na economia. Os juros baixos demais, por tempo demais, produziram um período dourado de crescimento econômico. Enquanto isso, o Brasil, por outros motivos, enfrentava uma crise de confiança que elevou o dólar, a inflação e os juros. O Brasil cresceu menos que o resto do mundo de 2001 a 2006, com a exceção de 2004, quando esteve bem.

O excesso de liquidez trouxe para os países emergentes fluxos intensos de dólar; o crescimento econômico mundial elevou os preços das commodities; os juros baixos demais reduziram a aversão ao risco e alimentaram o boom de commodities, o que nos ajudou.

Com menos medo e mais ganância, o mercado financeiro correu atrás de ativos de risco com alta rentabilidade. Nessa corrida ao ouro, encontraram os papéis subprime e seus derivativos. Os consumidores americanos nadaram num mar de crédito fácil e transformaram suas casas em caixas automáticas que financiavam todo o consumo. As autoridades monetárias e reguladoras não viram, ou não quiseram ver, o tamanho da bolha. O mercado financeiro, com raras e honrosas exceções, preferiu não ver também, já que os lucros eram tão altos, os ativos estavam todos subindo e, principalmente, os bônus de fim de ano eram tão gordos que o melhor era contar o dinheiro entrando.

Enquanto isso, o Brasil tentou reduzir o descompasso entre o forte crescimento do mundo de 2002 a 2007 e o nosso crescimento pífio. No ano passado, o país enfim acertou o passo com o ritmo mundial, mas aí a bolha hipotecária começou a estourar. A abundância de dólar no país, pelo comércio e investimento vindo de fora, ajudou no ajuste das contas externas. A queda do passivo externo amorteceu o impacto da crise mundial.

Ontem, o Brasil colheu um excelente número de crescimento do PIB no segundo trimestre, na mesma semana em que a crise bancária americana atingiu um dos momentos mais difíceis desde que as hipotecas de alto risco provocaram os primeiros rombos nos balanços dos bancos.

O PIB do segundo trimestre tem quantidade e qualidade. Os analistas terão que revisar nas próximas semanas suas projeções de crescimento dos atuais 4,8% para pelo menos 5%, calcula o economista Alexandre Marinis. Ele acha que o número divulgado ontem mostra que o crescimento é sustentável.

- Como o crescimento dos investimentos no trimestre (+5,4%) foi recorde histórico, não se pode dizer que o ritmo alucinante do consumo das famílias (+7% no dado anual) é insustentável. A médio prazo, o ritmo de crescimento só é insustentável se os investimentos e, conseqüentemente, a oferta não crescerem o suficiente para atender à demanda futura.

Ele lembrou que no terceiro e quarto trimestres do ano passado o consumo das famílias aumentou fortemente, enquanto os investimentos estavam desacelerando. Agora, o investimento cresceu a uma taxa recorde (5,4%) e o consumo das famílias aumentou, mas para 1%. Se nos próximos trimestres os investimentos continuarem aumentando, e o consumo das famílias mantiver trajetória moderada, a necessidade de aperto monetário pode ser menor.

O Brasil vai continuar aqui com seus dilemas. Alguns, reflexos de problemas internacionais, outros, criados aqui mesmo. Ninguém está tendo um aperto monetário da magnitude que o Brasil está enfrentando. Ontem, os juros subiram novamente, na proporção previsível de 0,75 ponto percentual. Outros bancos centrais podem aproveitar, nos próximos dias, a queda das commodities para começar a reduzir juros. Nós estamos aumentando em doses cavalares. As empresas brasileiras estão com balanços sólidos e lucros altos, mas suas ações despencam na bolsa por fatores externos.

O 11 de Setembro ficou na história como uma tragédia política e humana. Pouca gente se dá conta de como o dia foi determinante para a economia mundial nos anos que se seguiram. O superávit fiscal deixado por Bill Clinton virou pó nas guerras de George Bush no Afeganistão e no Iraque. Agora, com um déficit fiscal de US$400 bilhões, o governo dos Estados Unidos está resgatando as duas torres do mercado imobiliário que desabaram esta semana. Os fatos não param de se desdobrar desde aquele dia que a Humanidade jamais esquecerá.

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